Dentro do quarto grande eixo temático da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5CNCTI), evento para cuja construção ela contribuiu, a Acadêmica Elisa Reis, socióloga, professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), participou de mesa de debate “Desigualdades e equidades sociais no Brasil”. A sessão contou também com a cientista política Daniele Costa (UFBA) e a representante do Movimento Mais Mulheres na TI (Tecnologia da Informação) do Banco do Brasil, Ângela Leal, tendo sido coordenada pela biomédica Jaqueline Góes.
Desigualdade penaliza a todos
Elisa Reis apontou que a relação entre ciência, tecnologia, inovação (CT&I) e desenvolvimento social é circular: CT&I geram desenvolvimento social e desenvolvimento social é crucial para estimular a CT&I. “Muita gente tem uma visão incorreta dessa relação, pensam que desenvolvimento social, inclusão e justiça são questões de boa vontade, de filantropia ou de solidariedade”, alertou. Ela deixou bem claro que desenvolvimento social é algo fundamental para otimizar prosperidade nacional, para aumentar a produtividade, para promover crescimento econômico e para fortalecer a democracia.
“Não podemos ignorar, ainda, que desenvolvimento social é ingrediente crucial para fomentar confiança nas pessoas e nas instituições, o que por sua vez cimenta a solidariedade, isto é, responde pelo alicerce da convivência democrática.”
Elisa acrescentou que desenvolvimento social é requisito necessário, ingrediente vital para avançar na produção de conhecimento, no avanço tecnológico, na constante inovação. “Não podemos continuar com o desperdício de talentos e energias, compactuando com os níveis de desigualdade com que convivemos”, ressaltou a pesquisadora.
Ela disse que a pobreza e a desigualdade acentuada não penalizam apenas os menos favorecidos. “Na contabilidade individual e míope de minorias, elas podem trazer benefícios. Mas na contabilidade geral, para os cidadãos e cidadãs brasileiras de hoje e do futuro, a persistência de tamanhas desigualdades priva toda a sociedade de ganhos materiais e imateriais”, destacou.
Quanto mais cedo, melhor
Outro ponto para o qual a Acadêmica chamou atenção foi o do timing dos investimentos em desenvolvimento social. “Me parece fundamental colocar ênfase na iniciação precoce da socialização na educação científica. As iniciativas de inclusão dos jovens na educação superior são certamente meritórias, mas certamente elas seriam muito mais eficazes e eficientes se começassem muito mais cedo, se a socialização escolar das crianças já permitisse familiarização com a cultura científica e estimulasse a criatividade, a inovação”, destacou Elisa Reis.
Nesse sentido, ela lembrou do sucesso que fazia, muitas décadas atrás, o kit ciência que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) disponibilizava nas bancas de jornais. “Hoje certamente isto deveria ser adaptado para a era digital, algo que certamente poderia ter impacto muito mais amplo”, sugeriu.
Essa socialização já na educação fundamental é algo complexo e caro, reconheceu a palestrante. “Mas o retorno é certo”, disse Reis, relatando que há evidências científicas abundantes de que o estímulo à criatividade é tanto mais eficaz, quanto mais precoce.
Divulgação científica sempre
Outro aspecto importante a ser ressaltado é a divulgação científica. Essa questão, importante desde sempre, tornou-se ainda mais crucial no presente, quando a revolução nos meios de comunicação propiciou a circulação de tantas noções equivocadas sobre veracidade, sobre validação de conhecimento, sobre a distintividade do conhecimento científico frente a outras formas de conhecimento e por aí afora. Para Elisa, é muito importante esclarecer a sociedade quanto à especificidade do conhecimento científico.
Ela pensa que talvez seja a ignorância dos parâmetros de validade do conhecimento científico que contribui para que muita gente acredite que os critérios de validação do conhecimento científico são os mesmos critérios que justifiquem crenças religiosas, ou outras formas de conhecimento doutrinário. “É fundamental que um Plano Nacional de CT&I incorpore como prioridade campanhas que esclareçam quais são os critérios de validação do conhecimento científico, qual é o escopo de suas conclusões e sobretudo quais as implicações práticas efetivas ou potenciais dos achados da ciência”, afirmou. Ela avalia que uma população bem esclarecida sobre esses aspectos pode levar ao apoio popular a investimentos em CT&I, o que sem dúvida fortaleceria enormemente a política pública dessas áreas.
Começar de novo…
O último ponto abordado por Elisa Reis foi a questão da institucionalização das medidas propostas. Ela destacou o quanto é importante institucionalizar não apenas as políticas de popularização da ciência. “É preciso pensar em estratégias de institucionalização de muitas outras medidas preconizadas nas discussões sobre CT& I em que nos empenhamos nessa longa jornada da preparação da 5ª Conferência Nacional”, afirmou. Um dos grandes problemas que ela vê se repetir é que estamos sempre recomeçando, sempre correndo atrás do que foi perdido. “E em ciência, recomeçar é começar tarde, é perder oportunidades e incorrer em custos mais elevados do que se poderia esperar da continuidade de iniciativas virtuosas que deixamos que se percam, porque em certo momento os ventos da política desviam projetos e põem a perder o que tinha sido conquistado”, lamentou.
Por exemplo, no que diz respeito à grande revolução em curso com os avanços da IA, “é fundamental estabelecer metas realistas e estratégicas. Identificar sem mais delongas em que aspectos o Brasil pode de fato se tornar um parceiro relevante e concentrar esforços para que o nicho, ou os nichos, identificados se tornem de fato prioridade, de forma que as metas alcançadas atuem como garantidoras da continuidade dos investimentos realizados”, alertou Reis.
5a CNCTI: uma jornada democrática
Ela finalizou ressaltando o caráter plural e inclusivo que caracterizou a construção da 5ª Conferência Nacional de CT&I. “Participei de duas das conferências preparatórias, onde esse caráter plural e inclusivo já se evidenciava. Mas contando agora com a extraordinária documentação que nos foi oferecida, resumindo o grande número de atividades que traçaram o caminho preparatório que levou aos trabalhos desses três dias em Brasília, a gente se sente parte de uma grande jornada democrática para definir como a CT&I podem e devem ser instrumentos eficientes e eficazes para lograr um padrão de desenvolvimento justo, sustentável e inclusivo.”