CIÊNCIA PARA A TRANSFORMAÇÃO MUNDIAL
S20 Brasil 2024
Comunicado
Preâmbulo
Em setembro de 2015, na sede das Nações Unidas, representantes de 193 países aprovaram uma agenda global a ser alcançada até 2030. Os países signatários reconheceram que, para tornar nosso planeta adequado para uma vida sustentável, precisamos urgentemente tomar medidas em relação aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Entre os mais importantes identificados estava a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, que é o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável. Medidas ousadas e transformadoras foram delineadas, com nossos governos se comprometendo a adotá-las para guiar o mundo em direção a um caminho sustentável e resiliente. Essas ações são integradas e indivisíveis e devem equilibrar as três dimensões do desenvolvimento sustentável: social, econômico e ambiental. A ciência e a colaboração científica internacional servem como mecanismos-chave para alcançar esses objetivos. Com essa perspectiva, sob o lema “Ciência para a Transformação Mundial”, as Academias de Ciências do S20 se reuniram no Rio de Janeiro em 2024 e focaram as discussões em cinco temas relacionados à Agenda 2030 da ONU: (1) Inteligência Artificial; (2) Bioeconomia; (3) Processo de Transição Energética; (4) Desafios de Saúde; e (5) Justiça Social.
Apresentamos aos governos do G20 e à sociedade as recomendações do S20 Brasil 2024 com a expectativa de que estas sejam consideradas pelos nossos governos e ajudem a orientar o documento final do G20. Também chamamos a atenção para o fato de que os países do G20 devem considerar suas tendências demográficas, antecipando-se proativamente e adaptando-se às mudanças no tamanho e na distribuição etária de sua força de trabalho, pois esses fatores impactarão significativamente a seguridade social, os sistemas de pensões, os programas de saúde e bem-estar, afetando assim o crescimento econômico e a competitividade. É essencial que o sistema educacional atenda às diversas necessidades das populações envelhecidas e jovens. Compreender as tendências sociais e demográficas é essencial para antecipar os requisitos tecnológicos e impulsionar a inovação.
Inteligência Artificial
A IA é um motor crítico para o desenvolvimento, especialmente na saúde, educação e enfrentamento das mudanças climáticas. Também pode representar riscos, incluindo a possibilidade de ampliação das desigualdades e impactos negativos no meio ambiente. Para enfrentar esses desafios de forma eficaz, o avanço da IA requer um robusto arcabouço ético. O rápido ritmo da inovação em IA cria incertezas significativas para a governança, dificultando esforços para gerenciar suas implicações. Embora a IA possa resultar na perda de empregos em algumas indústrias e regiões, também tem o potencial de criar novas oportunidades de emprego em outras.
Recomendações:
- Criar políticas em uma economia impulsionada pela IA para garantir segurança no emprego e direitos dos trabalhadores que sejam flexíveis e adaptáveis, fundamentados em princípios éticos compartilhados. Isso garantirá inovação enquanto reduz os riscos sociais.
- Contribuir para o estabelecimento de regulamentações de IA e padrões de governança de dados que beneficiem todos os países de forma justa e preservem os valores humanos.
- Capacitar os cidadãos, por meio da educação, a tomar decisões informadas sobre a IA, entendendo seu potencial, benefícios, limitações e riscos possíveis.
- Trabalhar juntos para criar e compartilhar conjuntos de dados científicos grandes, valiosos e bem organizados, respeitando a governança dos dados.
- Investir em infraestrutura de dados, computação de alto desempenho e treinamento para usar IA de forma eficaz em campos de aplicação.
- Priorizar tecnologias de IA para o benefício da humanidade e sustentabilidade ambiental.
- Apoiar as comunidades científicas na pesquisa, desenvolvimento e uso eficaz da IA em várias disciplinas.
- Avaliar o estabelecimento de centros regionais de pesquisa acadêmica que compartilhem infraestrutura de IA.
- Buscar estabelecer arcabouços intergovernamentais para supervisionar tecnologias de IA que possam operar além do controle ou supervisão humana.
- Advogar para que IA contribua de forma eficaz para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Bioeconomia
A bioeconomia abrange o uso sustentável dos recursos biológicos, visando transformar os principais setores da economia, garantindo um comércio justo de bioprodutos e promovendo a inovação sustentável. A compreensão dos membros do S20 sobre o assunto é: A bioeconomia baseia-se no fornecimento de bens derivados de recursos biológicos renováveis (produtos de base biológica, alimentos, rações para animais, bioenergia, suprimentos de saúde e produtos farmacêuticos), incluindo todas as atividades econômicas que dependem desses recursos e seus derivados, ao passo que também protegendo o conhecimento e as práticas tradicionais, e em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Além disso, os modelos de bioeconomia devem atender a certos critérios: 1) conservar e proteger os recursos naturais e apoiar esforços de restauração; 2) adotar tecnologias apropriadas, adaptadas a cada bioma; e 3) envolver as comunidades indígenas e locais na tomada de decisões, protegendo o conhecimento tradicional, defendendo os direitos humanos e promovendo capacitação de pessoas.
Recomendações:
- Investir em pesquisa e infraestrutura: Apoiar pesquisas de ponta para impulsionar avanços tecnológicos, potencializando inovações em matérias-primas biogênicas, bioenergia, medicamentos e outros materiais provenientes da biomassa, florestas, plantas e micro-organismos da biodiversidade de diferentes biomas.
- Integrar justiça social: Promover modelos bioeconômicos sustentáveis e inclusivos, possibilitando inovações impulsionadas pelas comunidades que protejam e integrem o conhecimento e a cultura tradicionais, com foco em alavancar recursos biológicos locais para promover o crescimento econômico regional.
- Construir uma cooperação internacional e multilateral robusta: As nações do G20 devem alcançar um consenso sobre o papel da bioeconomia como uma das estratégias para enfrentar as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade, a pobreza e a saúde humana e não-humana. É necessário formular um arcabouço conjunto de políticas que permita aos países implementarem programas de bioeconomia, investir em inovações sociais e tecnológicas, compartilhar conhecimentos críticos, melhorar a qualidade de vida e proteger os recursos naturais.
Processo de Transição Energética
O processo de transição energética requer inovação contínua e colaboração internacional para alcançar um futuro sustentável e resiliente, equilibrando dimensões tecnológicas, econômicas, ambientais e sociais para criar um mundo mais limpo e equitativo. A transição de sistemas baseados em combustíveis fósseis para sistemas de energia limpa e acessível é essencial para enfrentar as mudanças climáticas, o esgotamento de recursos e garantir a segurança energética global. Integrar considerações sociais e econômicas permanece crucial para garantir o acesso universal à energia sustentável, limpa, acessível e confiável, abordando assim a persistente questão da pobreza energética em muitas partes do mundo. Sendo a transição energética uma questão complexa, os países do G20 devem garantir transições justas e equitativas.
Recomendações:
- A transição energética deve integrar fontes de energia limpa, como solar, eólica, hidrelétrica e geotérmica, bem como mitigação e emissões negativas por meio de abordagens tecnológicas e baseadas na natureza.
- Os esforços gerais para reduzir as emissões no processo de transição energética devem se basear no uso crescente de fontes de energia de baixa emissão, incluindo energias renováveis e nuclear, em uma combinação que varia de um país para outro, avançando para a eliminação do carvão.
- Captura, utilização e armazenamento de carbono, juntamente com abordagens baseadas no mercado, como precificação de carbono em escala global, devem ser utilizados para minimizar as emissões de CO2 dos combustíveis fósseis à medida que nos afastamos dessas fontes em direção a um futuro de baixa emissão.
- Biocombustíveis e hidrogênio sustentável podem ser empregados, especialmente para setores como transporte e indústria pesada.
- Fontes de energia oceânica, incluindo maré, onda e térmica, também podem ser consideradas para gerar eletricidade.
- Baterias, complementando as fontes renováveis tradicionais, podem ser utilizadas para oferecer soluções de armazenamento e transporte de energia, e geração de potência de carga de base.
- Buscar maior eficiência energética e garantir reduções equitativas na demanda de energia, que são críticas para reduzir significativamente as emissões de CO2 e mitigar as mudanças climáticas.
- Processos completos de reciclagem para materiais utilizados em sistemas de energia renovável devem ser implementados para soluções de energia mais limpa e sustentável.
- Campanhas públicas de educação, para aumentar a conscientização sobre os princípios de redução, reutilização e reciclagem, em conjunto com o envolvimento de diferentes atores, devem ser adotadas para estimular adequadamente a aceitação social e ganhar o apoio das comunidades para projetos de energia limpa.
- Para garantir o sucesso da transição energética, um diálogo internacional contínuo que facilite atualizações regulares e o compartilhamento de melhores práticas entre as nações deve ser estabelecido.
- Considerações sociais e econômicas devem incluir a criação de empregos, avanços tecnológicos, acesso equitativo à energia, engajamento social e justiça ambiental.
Desafios da Saúde
Há uma necessidade urgente de desenvolver um sistema de saúde mais equitativo, sustentável e resiliente, com ênfase em prevenção e promoção de estilos de vida saudáveis, particularmente em comunidades com vulnerabilidades conhecidas. A conquista da cobertura universal de saúde com ênfase no acesso, qualidade e engajamento comunitário tem o potencial de impulsionar melhorias em vários aspectos da saúde, abrangendo saúde mental, manejo de doenças transmissíveis e não transmissíveis, saúde materna e infantil, bem como questões de longevidade e qualidade de vida nas populações idosas em crescimento. Apesar do grande ônus que a saúde mental impõe às pessoas e economias, muitos países continuam a negligenciar os cuidados com a saúde mental, e a necessidade de tratamento não atendida permanece alta. Tornar a política de cuidados com a saúde mental uma prioridade aumentaria o bem-estar das pessoas e teria benefícios sociais e econômicos significativos. Mudanças climáticas e ambientais, juntamente com a perda de biodiversidade e poluição, impactam direta e indiretamente a saúde e a sustentabilidade da sociedade. Esses fatores afetam a produção agrícola, os preços dos alimentos, a disponibilidade de energia e o acesso a água e ar de boa qualidade, com países de baixa e média renda e grupos com vulnerabilidades conhecidas sofrendo mais. O aumento das temperaturas globais e eventos climáticos extremos criam condições que favorecem a propagação de doenças transmissíveis e não transmissíveis. Isso requer uma abordagem integrada de Saúde Única, que reconheça as interdependências entre a saúde das pessoas, dos animais e dos ecossistemas.
Recomendações:
- Garantir o acesso global a vacinas, medicamentos e ferramentas de diagnóstico essenciais para todos. Promover a produção local e regional sustentável por meio do fortalecimento da capacitação em pesquisa e inovação, compartilhamento de conhecimento e transferência de tecnologia.
- Fortalecer a vigilância global, a ciência aberta e o compartilhamento de informações para a detecção precoce de emergências de saúde e eventos de saúde pública de preocupação internacional.
- Enfrentar os desafios da resistência antimicrobiana por meio do desenvolvimento urgente de novos antimicrobianos e apoio a soluções alternativas, bem como promovendo o uso racional de antibióticos em pessoas e animais em todo o mundo.
- Desenvolver políticas para a promoção de estilos de vida saudáveis, incluindo atividade física e nutrição de qualidade, para enfrentar questões como obesidade, tabaco, álcool, abuso de substâncias, alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas.
- Promover estratégias de comunicação eficazes para disseminar informações de saúde, combater a desinformação e conduzir campanhas de saúde.
- Promover transformações democráticas na saúde digital e tecnológica que são fundamentais para apoiar sistemas universais de saúde fortes e resilientes.
- Priorizar cuidados com a saúde mental, especialmente para jovens e grupos com vulnerabilidades conhecidas, com investimentos em programas de prevenção para reduzir a violência e enfrentar o abuso de álcool e outras drogas.
- Desenvolver apoio de longo prazo para a gestão da saúde das pessoas idosas.
- Integrar questões de mudanças climáticas em todas as áreas prioritárias do Grupo de Trabalho em Saúde do G20 e identificar oportunidades para co-benefícios na saúde ao desenvolver políticas climáticas que vão além do setor de saúde.
- Abordar o impacto das mudanças climáticas e ambientais sobre as doenças transmissíveis e não transmissíveis por meio de pesquisa, gestão ambiental e melhoria da vigilância.
- Alavancar recursos globais voltados para os impactos das mudanças climáticas e ambientais na saúde, com foco em grupos com vulnerabilidades conhecidas, como aqueles expostos a eventos climáticos extremos. Fortalecer sistemas de saúde resilientes ao clima para melhor se preparar para crises climáticas.
Justiça Social
Apesar do extraordinário progresso tecnológico alcançado através das contribuições da ciência, desigualdades e disparidades sociais gritantes permanecem. A pobreza continua a ser um flagelo que aflige vastos segmentos da população global. Muitas pessoas enfrentam privação de alimentos, falta de abrigo e cuidados médicos, e são privadas de acesso à energia, água limpa e saneamento básico. A digitalização, inteligência artificial e robotização causam o desmantelamento de empregos e a criação de novos em um ritmo sem precedentes. Além disso, o mercado de trabalho em transformação apresenta desafios para a requalificação da força de trabalho, particularmente em países de baixa e média renda. Embora pobreza e desigualdade possam existir de forma independente, elas frequentemente estão interligadas, criando um cenário social complexo.
A justiça social requer acabar com a pobreza, reduzir as desigualdades e promover a inclusão para que ninguém fique para trás. Aproveitar o poder da ciência não é apenas um caminho, mas uma responsabilidade nessa busca. As sociedades podem criar um futuro mais equitativo e sustentável através da inovação tecnológica, da formulação de políticas baseadas em dados e de avanços em vários campos científicos. Através da integração do conhecimento científico, inovações tecnológicas e estratégias de desenvolvimento, podemos enfrentar as raízes da pobreza e exclusão, abrindo caminho para um mundo onde todos possam prosperar e contribuir para a melhoria da humanidade. A ciência deve ser vista inerentemente como uma prática social que requer considerações éticas e consciência de suas consequências.
Recomendações:
- Construir uma perspectiva de direitos e garantias que considere o valor de desenvolver instituições para promover inclusão social e diversidade cultural. As pessoas devem estar no centro de todas as políticas sociais, econômicas e de desenvolvimento; alocar os recursos necessários para garantir plenos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.
- Aproveitar o poder da ciência de maneira responsável: gerar conhecimento e fazer descobertas que melhorem o bem-estar social, ambiental e humano; buscar avanços científicos com considerações éticas e consciência das consequências; integrar o conhecimento científico em estratégias de desenvolvimento para enfrentar a pobreza e a exclusão.
- Promover a interdisciplinaridade e a colaboração comunitária local: articular ciências sociais, naturais e da vida para diminuir práticas discriminatórias e promover a justiça social; aplicar perspectivas científicas sobre o comportamento humano para desenvolver intervenções que desafiem estereótipos e preconceitos.
- Enfatizar o imperativo ético de reduzir todos os tipos de desigualdades a fim de enriquecer os recursos humanos e empregar a justiça social para eliminar a discriminação, a intolerância e a violência, construindo uma sociedade mais equitativa.
- Expandir a infraestrutura para acesso universal à internet; ampliar a alfabetização digital para garantir que todos os segmentos da sociedade se beneficiem dos avanços digitais; formular abordagens inclusivas e equitativas para o desenvolvimento digital.
- Enfrentar a desinformação relacionada à ciência nas mídias digitais para prevenir impactos sociais adversos, desenvolvendo, ao mesmo tempo, estratégias nacionais, regionais e globais que envolvem comunidades científicas e a sociedade civil.
- Aumentar a alfabetização científica: cultivar a alfabetização científica e a consciência da ciência como um processo autocorretivo; equipar as sociedades para enfrentar desafios tecnológicos futuros por meio de uma melhor compreensão científica.
- Promover a educação, igualdade social e tratamento justo para todos: focar na saúde e bem-estar de todos os estratos demográficos; transicionar para práticas energéticas e industriais sustentáveis; garantir sustentabilidade na produção de alimentos, uso da terra, gestão da água e saúde dos oceanos; desenvolver cidades e comunidades sustentáveis, justas e resilientes; aproveitar a revolução digital para o desenvolvimento sustentável.