A 76a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência recebeu, em 11 de julho, a Acadêmica Yvonne Mascarenhas, ganhadora do prêmio Carolina Bori Ciência e Mulher 2024. Aos 92 anos, com sua elegância e delicadeza características,  a física e química foi a Belém apresentar sua palestra em agradecimento ao recebimento do prêmio oferecido pela SBPC.

Inovadora e pioneira em sua carreira, a Acadêmica Yvonne Mascarenhas foi apelidada na comunidade científica de Rainha da Cristalografia, área da ciência aplicada a proteínas, novos fármacos e doenças negligenciadas, sua área de atuação. Fundou, em 1971, a Sociedade Brasileira de Cristalografia, sediada em São Carlos desde então, que mais tarde passou a se chamar Associação Brasileira de Cristalografia (ABCr). Yvonne presidiu a entidade em diversas ocasiões, mesmo depois de aposentada. Saiba mais sobre a brilhante carreira da premiada.

Em vez de falar sobre si e sua carreira, Yvonne apresentou dados para embasar sua avaliação sobre a busca e as perspectivas do desenvolvimento científico, tecnológico e social do Brasil. Dando sua visão sobre o tema, Yvonne destacou que o Brasil precisa investir na indústria, especialmente passando a produzir aquilo que mais importa de outros países. Ela avalia que a indústria precisa atuar em estreita colaboração com a ciência, absorvendo novas tecnologia. “Temos capacidade instalada para  desenvolver bioinsumos para o agronegócio, de modo a preservar a qualidade do solo, da água e a biodiversidade. Precisamos fazer inseticidas menos tóxicos, p produzir insumos farmacêuticos… e desenvolver legislação adequada e fazer um controle rigoroso.

“Sabemos que o país é agro. Temos os melhores resultados nessa área. Temos sucesso com as bactérias fixadoras de nitrogênio em plantações, sistema descoberto e desenvolvido inicialmente pela pesquisadora brasileira Johanna Dobereiner”. Ela foi vice-presidente da ABC em 1995. Segundo Yvonne, o produto atende completamente à produção de soja, destaque nas exportações brasileiras. “As pesquisas de Johanna tiveram continuidade na Embrapa, com a busca de microrganismos que façam o mesmo papel em outras plantações, como arroz e trigo.”

Referindo-se ao manejo integrado de pragas, prática que evita o uso de pesticidas, Yvonne diz que o país também está obtendo bons resultados nessa área, resultados estes que mostram claramente o valor das unidades de pesquisa do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, dos laboratórios científicos e das agências de fomento. “Estamos tendo algum sucesso, ainda, no incentivo ao empreendedorismo em ciência e tecnologia através de programas de pesquisa junto às empresas, para melhorar seus produtos e processos de gestão”, apontou.

Ela acha fundamental que a população tenha confiança na capacidade nacional de pesquisa, nos institutos de pesquisa, nas universidades, e  que os governos passem a investir cada vez mais na formação em recursos humanos. “Temos instituições de ponta, com produção científica considerável, com um desenvolvimento ágil… e por que não conseguimos deslanchar? Por que continuamos usuários do desenvolvimento científico dos outros países e não protagonistas?”

Para Yvonne, o “brain drain” está aí comprovando a qualidade da formação de nossos pesquisadores.  “A falta de oportunidades aqui está fazendo com que muitos dos nossos melhores cientistas estejam sendo atraídos para instituições com infraestrutura e recursos de países mais avançados. “É preciso ter segurança aos empreendimentos. Os investimentos têm que ser de médio e longo prazo.”

Educação, educação e educação

Porém, a luta contra o pior inimigo do país é longa e ainda é a mesma: a pobreza. Porque, na visão de Yvonne Mascarenhas, a base de toda a inovação e desenvolvimento científico é composta de pessoas devidamente qualificadas. “Tudo é questão de educação. Mas a pobreza dificulta muito, quando não impede, que as pessoas estudem”.

Desde 2010, Yvonne se dedica a divulgação científica no ensino básico, procurando contribuir nessa área tão carente. “É nessa fase que precisa ser estimulado o interesse pelo conhecimento”, afirmou. A situação dos estudantes brasileiros nesse segmento, no entanto, não é nada boa. Os indicadores de analfabetismo funcional no Brasil mostram que o segmento da população considerado de fato proficiente é bastante restrito. “E o mercado exige cada vez mais capacidade técnica”, alertou.

Para o desenvolvimento do país é fundamental, ao seu ver, o aperfeiçoamento do ensino básico público, sem descontinuidade, com um plano de desenvolvimento com políticas públicas de Estado. “A educação precisa atingir a população mais pobre do país. As políticas para esse segmento têm que ser amplas e urgentes e devem considerar a diversidade regional”, ressaltou.

Mas onde estão os professores para esse ensino básico? É preciso qualificar a população, mas a formação inicial para uma ciência inclusiva está nas mãos de pessoas com menos formação acadêmica. Para Yvonne, é necessário valorizar o professor com salário e reconhecimento social. “Muita gente fala mal do professor público, eu não. Em qualquer área existem profissionais bons e ruins. Encontrei muitos professores bons, dedicados. E alunos também. Vi diretoras de escolas lutando pessoalmente contra a evasão, indo nas casas dos estudantes para trazê-los de volta para a escola”, pontuou.

Ela contou que o que melhorou os resultados dos estudantes em São Paulo, desde 2007, foi o programa “Vem pra USP”, uma parceria da Universidade de São Paulo com a Secretaria de Educação do Estado. O programa envolve ações para incentivar o acesso de estudantes dos 1º, 2º e 3º anos do ensino médio da rede pública de ensino aos cursos de graduação da  universidade, além de aproximar os professores do ensino médio da USP e contribuir na formação dos jovens como cidadãos. “Eles participam da Competição USP de Conhecimentos. Através de uma plataforma, os estudantes podem se inscrever e os três melhores de cada escola ganham como prêmio a isenção da taxa de inscrição do Enem”, explicou Yvonne. Saiba mais sobre o programa

Enfim, Yvonne reforçou sua premissa inicial: a maioria dos estudantes e professores tem um problema em comum: a pobreza. “Essa é a raiz de todo mal. As políticas de assistência têm que ter mais efetividade. Conforme dizia Paulo Freire, a educação não resolve todos os problemas, mas sem ela não se resolve nenhum”.


Assista ao vídeo produzido pela SBPC sobre a Acadêmica Yvonne Mascarenhas por ocasião da premiação!