Nos dias 1 e 2 de julho, a Cúpula do Science20, grupo de engajamento do G20 para ciência e tecnologia, se reuniu no Rio de Janeiro. Como parte da presidência rotativa do Brasil, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) está presidindo as discussões desse ano. O encontro formulou as bases do comunicado oficial do grupo, endereçado a Cúpula do G20, em novembro. O documento final só deverá ser divulgado após o dia 19 de julho, mas uma prévia das recomendações você já pode conferir aqui.

A Cúpula do S20, no Rio de Janeiro, discutindo cada parágrafo do documento final a ser levado ao G20.

Abertura da Cúpula

O embaixador Mauricio Lyrio, do Itamaraty, abriu o encontro lembrando que o objetivo da presidência rotativa do Brasil no G20 é colocar o desenvolvimento no centro do debate. Lyrio é o representante principal do Brasil nas discussões e trouxe as prioridades do país: formar uma aliança global contra a fome, implementar as mudanças necessárias para combater as mudanças climáticas e reformar as instituições internacionais para fortalecer o multilateralismo.

Em seguida, a cientista política Tatiana Berringer, líder da Trilha de Finanças do G20, trouxe algumas das propostas desenvolvidas durante a presidência brasileira. Entre elas estão recomendações de políticas públicas contra a desigualdade, elaboradas a partir de exemplos de sucesso ao redor do mundo; propostas de cooperação internacional sobre taxação e combate à evasão fiscal; priorização da ideia de justiça climática nas discussões sobre transição energética; e amortização da dívida de países através de investimentos em saúde.

Celso Pansera, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), afirmou que o encontro “é uma importante oportunidade de o Brasil debater sobre suas tarefas, objetivos e deveres com as principais academias do mundo”. A Finep foi responsável pelo financiamento do encontro deste ano.

O secretário-executivo do MCTI, Luis Fernandes, afirmou que o país defende uma ciência mais aberta e justa, buscando os melhores modelos e práticas para fazê-la. Para ele, o desbalanceamento da produção cientifica acelera a desigualdade. “A ideia de dois mundos na ciência, um central e um periférico, é contrária ao espirito cientifico. Conclamamos às agencias cientificas do mundo a mudarem essa perspectiva.”

A presidente da ABC, Helena Nader, explicou o processo de trabalho do S20 2024 e os cinco grupos temáticos (ver a seguir). Nader propôs uma outra questão, que perpassa todos os desafios globais: a transição demográfica. “A maioria dos países do G20 está envelhecendo, com menos gente em idade ativa. A ciência está levando isso em consideração? Nossos governos estão levando isso em consideração?”, indagou.

Helena Nader, presidente da ABC, liderou as discussões

Grupos de trabalho e recomendações preliminares

Sob a liderança da ABC, o S20 2024 estabeleceu cinco temas prioritários e designou um grupo de trabalho multidisciplinar para cada. Os grupos se reuniram ao longo do primeiro semestre e elaboraram suas recomendações, que foram apresentadas durante a Cúpula.

Inteligência Artificial: ética, impacto social, regulação e compartilhamento de conhecimento

O membro titular da ABC Virgilio Almeida liderou o grupo de trabalho sobre IA. Ele afirmou que as principais preocupações levantadas pelos participantes foram sobre ética e regulação. É consenso que a IA será central para o desenvolvimento tecnológico em áreas como saúde e educação, mas a tecnologia carrega riscos ambientais e sociais, como o aumento da demanda energética e das desigualdades, assim como mudanças drásticas no mercado de trabalho, que não podem ser ignorados.

Algumas das recomendações propostas são:

  • Cooperação internacional para criar bases de dados grandes e de qualidade.
  • Investimento em infraestrutura computacional e treinamento de pessoal para uso da IA nas diversas áreas.
  • Avaliar a criação de centros regionais compartilhados com infraestrutura para IA
  • Criar políticas que sejam flexíveis e adaptáveis, enraizados em princípios éticos compartilhados, para garantir os direitos dos trabalhadores numa economia impulsionada por IA
  • Estabelecer estruturas intergovernamentais para supervisionar tecnologias de IA que possam operar além do controle humano.

Bioeconomia: moldando um planeta sustentável

O líder do grupo de trabalho em Bioeconomia foi o membro titular da ABC Adalberto Luis Val. Em participação virtual, ele lembrou que o planeta caminha para um ponto de não-retorno ambiental, e que para contê-lo é preciso modificar nossas bases econômicas para o foco em práticas sustentáveis. Mas o que exatamente se entende por bioeconomia?

Responder essa pergunta foi o primeiro passo das discussões. Foi acordada a seguinte definição: A bioeconomia é baseada na oferta de bens derivados de recursos biológicos renováveis (produtos biológicos, comida, bioenergia, insumos de saúde e farmacêuticos) englobando conhecimentos e práticas tradicionais e em linha com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

Algumas das recomendações propostas são:

  • Apoiar pesquisas de ponta para impulsionar a bioenergia e os avanços verdes, aprimorando inovações em matérias-primas biogênicas, bioenergia e outros materiais de biomassa, florestas, plantas e microrganismos da biodiversidade nativa em diferentes biomas.
  • Promover modelos bioeconômicos sustentáveis e inclusivos, permitindo inovações impulsionadas pelas populações locais e que protejam o conhecimento tradicional com foco no uso de recursos locais para promover o crescimento econômico regional.
  • A cooperação internacional é essencial para compartilhar conhecimento e implementar programas que melhorem a qualidade de vida e protejam os recursos naturais em todo o mundo. A criação de uma política do G20 para que os países implementem programas de bioeconomia investindo em inovações sociais e tecnológicas.

Transição Energética: energias renováveis, considerações econômicas e sociais

O líder do grupo de trabalho sobre transição energética foi o Acadêmico Alvaro Prata. Ele lembrou que a transição para energias renováveis é crucial para atingir os objetivos do desenvolvimento sustentável, sobretudo os relacionados às mudanças climáticas e à degradação ambiental.

Atualmente, os esforços nesse sentido envolvem a adoção de diversos tipos de energias alternativas – solar, eólica, hidroeletricidade, hidrogênio, geotérmica, biocombustíveis, oceânica e nuclear – além de esforços para captura e reserva de carbono. A proporção entre cada uma dessas ações varia entre os países.

Algumas das recomendações propostas são:

  • As considerações sociais e econômicas devem incluir a criação de emprego, os avanços tecnológicos, o acesso equitativo à energia, o envolvimento público e a justiça ambiental.
  • Captura e armazenamento de carbono, aliado a soluções baseadas no mercado – como o mercado de carbono – devem ser consideradas como alternativas eficientes para incentivar a transição.
  • A sensibilização do público, a educação e o engajamento das partes interessadas são necessários para conseguir aceitação social e obter o apoio para as energias renováveis.
  • Melhorar a eficiência energética é crítico para a mitigação das emissões.
  • É preciso implementar um diálogo internacional contínuo em constante atualização e com o compartilhamento de boas-práticas entre os países.

Desafios em Saúde: qualidade, equidade, acesso e preparação para epidemias e mudanças climáticas

O grupo de trabalho em saúde foi liderado pela Acadêmica Patricia Bozza. Ela afirmou que há consenso sobre a necessidade de desenvolver sistemas de saúde mais igualitários, sustentáveis e resilientes, e também de promover estilos de vida mais saudáveis entre a população global.

Entre os diversos desafios, Bozza destacou que a saúde mental ainda é negligenciada e que transformá-la numa prioridade contribuiria significativamente para o bem-estar global com impactos econômicos e sociais. O impacto das mudanças climáticas também foi ressaltado, afetando produção de alimentos, qualidade do ar e da água, com particular risco nos países em desenvolvimento. Além disso, o crescimento das temperaturas também favorece o surgimento de novas doenças.

Algumas das recomendações propostas são:

  • Garantir o acesso global a vacinas, medicamentos e diagnóstico para todos. Promover a produção local e regional sustentável através do reforço da pesquisa, do compartilhamento de conhecimento e da transferência de tecnologia.
  • Reforçar a vigilância global, a ciência aberta e a compartilhamento de informações para a detecção precoce de emergências de saúde pública.
  • Promover a saúde digital e transformações tecnológicas em saúde.
  • Priorizar os cuidados de saúde mental sobretudo para grupos vulneráveis, abordando questões como a violência e o abuso de substâncias.
  • Abordar os efeitos das mudanças climáticas no surgimento de novas doenças através do incentivo ao monitoramento, pesquisa e manejo ambiental.

Justiça Social: promovendo inclusão, erradicando a pobreza e reduzindo desigualdades

O líder do grupo de trabalho sobre Justiça Social foi o Acadêmico Ruben Oliven. Ele lembrou que a ciência é uma prática social que requer constante consideração ética sobre suas consequências. O conhecimento científico deve ser integrado às ações políticas, sempre com o espírito de “não deixar ninguém para trás”. Nesse sentido, a ciência deve ser utilizada como um mecanismo para enfrentar estereótipos e derrubar barreiras sociais.

 

Algumas das recomendações propostas são:

  • As pessoas devem estar no centro de todas as políticas sociais, econômicas e de desenvolvimento.
  • Considerar a redução das desigualdades como um imperativo ético, combatendo a violência, a intolerância e as divisões sociais, e reforçando os valores da confiança e da solidariedade.
  • Ampliar a infraestrutura de acesso universal à internet; aprimorar a alfabetização digital para garantir que todos os segmentos da sociedade se beneficiem dos avanços digitais.
  • Buscar o avanço científico com considerações éticas e consciência das consequências; integrar o conhecimento científico nas estratégias de desenvolvimento para combater a pobreza e a exclusão.
  • Abordar a desinformação científica nos meios digitais desenvolvendo estratégias nacionais, regionais e globais envolvendo comunidades científicas e a sociedade civil.

Confira a repercussão na mídia:

O ECO | 06/07/2024
Coordenadas por brasileira, Academias de Ciências do G20 recomendam ações em cinco áreas críticas

G20 | 05/07/2024
Sociedade civil e sherpas juntos à mesa: reunião inédita marca história do S20

G20 BRASIL | 03/07/2024
Com atenção à justiça social na ciência, Science 20 aprova documento a líderes do G20

FOLHA DE SP | 03/07/2024
S20, braço científico do G20, propõe recomendações para uso e regulamentação de IA

AGÊNCIA BRASIL | 03/07/2024
Cientistas do G20 defendem uso de IA com redução de riscos sociais 

VALOR ECONÔMICO | 02/07/2024
Combate à pobreza conduz recomendações finais do grupo de ciência do G20

G1 | o3/07
G20 no Brasil: em reunião no Rio, grupo de ciência fecha comunicado final

VALOR ECONÔMICO | 01/07/2024
Taxação de ‘super-ricos’ só será eficaz se tiver adesão global, d

UM SÓ PLANETA | 01/07/2024
Cúpula da ciência do G20 recomenda mais IA “verde” e atenção a doenças na crise climática

PORTAL BYTE | 01/07/2024
Encontro científico dos países do G20 acontece no Brasil e discute IA

G1 | 02/07/2024
G20 no Brasil: em reunião no Rio, grupo de ciência fecha comunicado final


Saiba como foi a reunião inicial do S20, realizada em março:

ABC | 12/03/2024
O que pensam as academias nacionais de ciência do G20?

ABC | 13/03/2024
Palestras de brasileiros marcam reunião de Iniciação do Science 20 

ABC | 25/03/2024
Membros afiliados da ABC refletem sobre reunião do S20