Precisamos repensar a educação superior brasileira? Existem outros modelos de ensino superior possíveis, além das universidades de pesquisa? Responder a essas perguntas foi o cerne do debate entre os Acadêmicos Rodrigo Capaz (UFRJ), presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), e Mercedes Bustamante (UnB), ex-presidente da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), durante o 5º Fórum ABC/SBPC de Educação Superior, realizado no dia 25 de junho.

Uma terceira via para as instituições de ensino superior

O argumento levantado por Rodrigo Capaz é de que a massificação do ensino superior, algo que o Brasil ainda está longe de concretizar, não será feita pelas universidades e institutos federais. Apenas 23% dos brasileiros entre 21 e 34 já cursou ou está cursando ensino superior, muito distante da meta de 33% do Plano Nacional de Educação (PNE) e da média dos países da OCDE, de 47%. “Temos um elefante na sala. A maior parte dos nossos estudantes são formados por universidades particulares. O setor acadêmico evita falar sobre isso, mas precisamos nos perguntar: o ensino superior público é considerado importante e atrativo pelos jovens, sobretudo das classes mais baixas?”.

Hoje, 72% dos estudantes de ensino superior brasileiros estão em instituições privadas. Destes, a maior parte está no ensino a distância (EaD) e nos cursos noturnos, refletindo a demanda por horários flexíveis. Outra demanda respondida principalmente pelo setor privado é por cursos técnicos profissionalizantes. “Os jovens anseiam por uma inserção rápida no mercado de trabalho. Nenhum país do mundo massificou o ensino superior através de universidades de pesquisa”, afirmou Capaz.

O modelo de universidade de pesquisa, ou Humboldtiano, é o reproduzido nas principais universidades federais brasileiras, aliando ensino, pesquisa e extensão. Esse modelo é mais bem descrito pela frase de Carlos Chagas Filho: “Na universidade se ensina porque se pesquisa”. Embora fundamentais mesmo que precarizadas, Rodrigo Capaz argumenta que o custo elevado por aluno nessas instituições faz com que o sistema necessite de outras peças. “Nos EUA, o custo por aluno de uma universidade de ponta, como a Universidade da Califórnia, é 20 vezes maior que o dos community colleges (faculdades comunitárias), que é onde são formados mais da metade dos estudantes de ensino superior por lá”, exemplificou.

Capaz acredita que esse é um modelo que o Brasil deve reproduzir, como forma de atrair parte da demanda que hoje é capturada por instituições privadas. São cursos menores, com média de dois anos, onde os alunos adquirem formação técnica para entrar no mercado de trabalho e, caso queiram, podem se inscrever para continuar estudando numa universidade de pesquisa. “Por lá, cerca de um terço dos alunos das universidades de ponta é oriundo dessas transferências. Isso dá mais dinâmica ao sistema e mais opções para os alunos. Por aqui, o modelo das universidades e institutos federais é quase único”, afirmou.

O Acadêmico faz parte do grupo de trabalho da ABC sobre ensino superior, que está elaborando recomendações para repensar o sistema brasileiro. Por enquanto, ele define três recomendações como principais: reconhecer a importância das atuais universidades, recuperar sua infraestrutura e combater a evasão; reformar as formas de ensino, incorporando o EaD como uma tendência contemporânea irreversível; e reorganizar o sistema federal, criando um novo tipo de instituição inspirada nos community colleges americanos.

Menos divisões e mais orçamento

Por sua vez, Mercedes Bustamante vê com receio a criação de um novo modelo institucional que possa servir como mais um fator de segregação entre estudantes de diferentes classes sociais. Defensora ferrenha do modelo de universidades de pesquisa, ela acredita que a queda na procura pelas universidades não pode ser analisada em separado do contexto de precarização que ocorreu nos últimos dez anos. “As tendências observadas hoje se deram num projeto de laissez faire para que o sistema se estruturasse numa lógica de mercado, num contexto de enfraquecimento do ensino superior público”, observou.

Ela lembrou que na legislação e na própria ideia de universidade no Brasil existe a indissociabilidade entre ensino e pesquisa, onde os alunos precisam ser expostos a um corpo docente engajado na fronteira do conhecimento. Bustamante também alertou para o fenômeno da dissociação entre graduação e pós-graduação, já que a maior parte dos alunos da primeira, oriundos do setor privado, não são apresentados à possibilidade da segunda durante seus anos de estudo.

Fazendo referência à filósofa Marilena Chauí, a Acadêmica afirmou que há uma contradição entre o tempo da política e o tempo da universidade. “Universidades precisam de políticas de longo prazo, não submetidas às mudanças nas políticas governamentais. Um exemplo é o PNE [Plano Nacional da Educação], de 2014: das 20 metas, só quatro foram parcialmente cumpridas”.

A Acadêmica defende que o modelo dos institutos federais deva ser expandido. “Tendo atuado junto aos IF na gestão pública, acredito que são um modelo admirável, com pós-graduações qualificadas e formação de professores. Os IF ajudaram a interiorizar o ensino superior no país, deram capilaridade ao sistema, alguns se tornaram universidades de referência. Numa estrutura que separasse ensino de pesquisa, isso poderia não ter acontecido”, afirmou.

Mas a curto prazo, Bustamante acredita que parte dos problemas de atração de alunos e combate à evasão podem ser combatidos dentro das próprias universidades, com currículos menos rígidos e permitindo maior experimentação aos estudantes dentro do próprio curso. “Precisamos abrir espaço nas instituições para romper com as barreiras de aprendizagem e criar uma cultura de  transdisciplinaridade no ensino superior, colocar os alunos imersos nessas práticas desde o início. Precisamos nos preocupar com a aprendizagem ao longo da vida, como requalificar trabalhadores em funções que não serão mais necessárias”.

Concluindo: apesar das discordâncias, ambos concordam que a solução para melhorar a qualidade da educação superior brasileiro passa por fortalecer as instituições públicas de ensino. Assista ao debate completo: