Para o povo Baniwa, do Alto Rio Negro, a Terra é o lugar de descanso do Criador. Essa cosmovisão norteia os conhecimentos milenares desse povo sobre a flora, sobre os rios, sobre as doenças e sobre a defesa do planeta. “Nós não temos essa visão de mãe-terra, se é a mãe quem é o pai?”, brincou André Fernando Baniwa. “A Terra é onde o nosso Criador descansa os pés, se a destruirmos, será que ele vai ficar feliz?”.

André Baniwa, liderança do povo Baniwa e diretor de Demarcação de Terras do Ministério dos Povos Indígenas, abriu o segundo dia do encontro “Ciência para e pela Amazônia”, que reúne as academias de ciências dos países amazônicos no Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (Inpa), em Manaus. Sua fala traçou um pouco da história recente do povo Baniwa e as inúmeras interfaces entre o conhecimento tradicional e a ciência.

 

Ciência como aliada

Assim como os outros povos indígenas, os Baniwa eram vistos como um povo a ser tutelado até a Constituição de 88. Com a redemocratização isso mudou, os indígenas ganharam autonomia e respeito institucional à sua existência e modos de vida. “Eu achei que estávamos garantidos para a vida inteira, mas veio o último governo. Nós não temos garantia de um direito permanente”, lembrou.

A luta pela direito à terra e o problema do garimpo são desafios de décadas dos povos indígenas. Para André Baniwa, o contato com cientistas já na década de 80 foi crucial para jogar luz sobre a biodiversidade das terras e ajudou no reconhecimento. “A ciência foi aliada da demarcação. Levamos pesquisadores para a escola Baniwa, alunos de pós-graduação do Inpa ajudaram na descrição do território, isso ajudava na defesa”.

Mas esse contato não se deu sem aparar algumas arestas. Traduzir o conhecimento científico nem sempre é trivial e muitos indígenas viam os pesquisadores com desconfiança. “No início, víamos o pesquisador como um ladrão de conhecimentos”, disse Baniwa. “Mas o encontro de conhecimentos é sempre bom, alguns garotos passaram a gostar de ciência, viraram cientistas.”

Para ele, o que faltava por parte dos cientistas era destacar a importância dos conhecimentos tradicionais na própria construção do conhecimento científico que era feito no local. “A pesquisa não vem do nada, ela é feita em cima do conhecimento de alguém. Às vezes falta reconhecer isso.”

Regulação, divulgação, institucionalização

Existem leis que regem a propriedade intelectual do conhecimento indígena, mas há insegurança jurídica que afasta possíveis acordos. No caso dos Baniwa, que vivem em áreas de fronteira, é ainda mais difícil. “Uma vez vi uma pesquisadora americana apresentando mais de cem fórmulas que ela conseguia fazer com uma planta. Isso chamou minha atenção sobre o valor dos nossos conhecimentos, conhecemos remédios milenares e depois alguém ganha dinheiro com isso”, ressaltou André Baniwa.

Para promover esses conhecimentos, o palestrante esteve envolvido na edição de livros sobre conhecimentos indígenas em agricultura sustentável, remédios naturais e manejo ambiental. Além disso, ele advoga pela criação de um Instituto dos Conhecimentos Indígenas e Pesquisa do Rio Negro. “Nós indígenas precisamos ter nossa própria instituições. É a única forma de termos um diálogo em pé de igualdade com vocês.”

Integrando conhecimentos

Na visão de Baniwa, a ideia comum de inclusão está ultrapassada, pois é feita numa via de mão única. O indígena é inserido numa sociedade que está destruindo seu modo de vida. “É como alguém me convidando pra entrar num barco que está afundando. O certo não é chamar o indígena para entrar nesse barco, mas para sentar e trocar soluções”.

Um dos sintomas desse naufrágio são as mudanças climáticas. Baniwa alertou para o óbvio: não estamos fazendo o suficiente e o problema só cresce. Enquanto isso, os povos indígenas vivem há milênios mantendo a floresta em pé, um dos pré-requisitos mais importantes se quisermos ter alguma chance de segurar o clima do planeta. “Minha principal mensagem aqui é a de que devemos juntar nossos conhecimentos, na educação, na tecnologia, no manejo do mundo. É possível fazer isso”, finalizou.

 

 


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