A coragem é um traço fundamental da personalidade de um cientista. Se a curiosidade é fonte de novas descobertas, é preciso uma boa dose de coragem para se aventurar em novos assuntos, saindo da zona de conforto para buscar outras perspectivas e ares. Essa mistura entre curiosidade e coragem é algo que Priscilla Christina Olsen, nova afiliada da Academia Brasileira de Ciências, carrega desde os tempos em que voava pelo céu do Rio de Janeiro com a mãe.
Carioca do Grajaú, Priscilla cresceu na zona norte do Rio, entre Grajaú, Tijuca e Andaraí. As lembranças de infância são de aventuras em bicicletas, patinetes, ônibus e ultraleve. Este último está em suas memórias mais antigas, já que desde que tinha dois anos Priscilla já acompanhava a mãe, sócia do Clube da Aeronáutica, em passeios pelos ares.
Crescendo cercada por mulheres, a Acadêmica teve na mãe um exemplo de independência e dedicação. Afinal, ela criou sozinha Priscilla e sua irmã, cinco anos mais velha, ao mesmo tempo que conciliava a vida profissional na área de recursos humanos. “Minha mãe é muito boa em gestão de pessoas, e minha irmã puxou isso. Eu, por outro lado, quando era criança, só queria me esconder de desconhecidos”, relembrou.
Na época de colégio, Priscilla foi exposta a um currículo bastante estimulante, com aulas de música, teatro, esportes e até passou um período nos EUA, quando descobriu, através de um professor de física, que o ambiente do laboratório poderia ser divertido. Mas a ciência que realmente a estimulava era a biologia, onde se destacava mais do que em qualquer outra matéria. “Até ficava um pouco decepcionada às vezes, pois achava que eu só era boa mesmo em estudar”, comentou a pesquisadora.
Apaixonada por literatura, Priscilla devorava os livros que a mãe alugava, e chegou a pensar em cursar filosofia. Mas quando uma amiga lhe apresentou o curso de Microbiologia e Imunologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as ciências da vida falaram mais alto. Pouco tempo depois, uma matéria de jornal sobre pesquisa em HIV mostrou que existia ali uma oportunidade de carreira. “Na hora que li a matéria entendi que era aquilo que eu queria fazer. Queria pesquisar, entender, estudar. Entendi naquele momento que ‘só saber estudar’ poderia ser uma profissão”.
Com isso em mente, a caloura já começou a faculdade querendo ser pesquisadora, e logo no primeiro período procurou uma iniciação científica. Priscilla passou esse primeiro ano de graduação no laboratório do membro titular da ABC Marcelo Bozza, aprendendo sobre a prática científica. Essa primeira experiência durou apenas um ano, mas até hoje Marcelo continua sendo um fiel conselheiro para assuntos voltados à carreira científica.
Enquanto a maior parte dos alunos tende a procurar estágios de pesquisa a partir do segundo ano, Priscilla Olsen sabia já no fim do primeiro que queria desenvolver um projeto próprio, e acabou se encantando com o Laboratório de Pesquisa sobre o Timo da Fiocruz, então chefiado pelo Acadêmico Wilson Savino. O timo é uma pequena glândula localizada à frente do coração que é responsável pela maturação dos linfócitos T, células cruciais do nosso sistema imunológico. Foi justamente sobre essas células que Priscilla fez sua monografia de conclusão de curso, estudando os efeitos de transplantes cardíacos no sistema imune de camundongos.
Mas como faz parte da vida do cientista se aventurar, Priscilla entendeu que precisava mudar de ares na pós-graduação, e entrou para o Laboratório de Inflamação da Fiocruz, sob orientação de Marco Aurélio Martins, com quem fez mestrado e doutorado. Sempre preocupada com a parte prática da pesquisa, a nova Acadêmica passou esses anos estudando o uso de diferentes compostos para o tratamento e controle de asma, doença respiratória que mata cerca de 2 mil pessoas todos os anos no Brasil.
Priscilla destaca alguns dos nomes com quem teve a oportunidade de aprender durante a pós-graduação. “Me tornei ‘fã de carteirinha’ de alguns, como a Patrícia Bozza, Milton Moraes e Henrique Lenzi. Outros que tiveram grande impacto na minha formação foram meu orientador Marco Aurélio Martins, que me treinou para a carreira e me ensinou a valorizar a escrita científica; e João Viola, do Inca, com quem colaborei por alguns anos”, contou.
Durante o doutorado, Olsen passou seis meses no Imperial College de Londres, sob orientação de Clare Lloyd. “Nossos resultados não geraram nenhuma publicação, mas tive um aprendizado experimental enorme e nas disciplinas fui apresentada a uma visão de ciência muito diferente da que conhecia”, relembrou. “No doutorado também comecei a me preocupar com questões de didática e lecionei por um ano no pré-vestibular social da Cederj em Nova Iguaçu”.
Atualmente, Priscilla é professora da Faculdade de Farmácia e chefe do Laboratório de Estudos em Imunologia na UFRJ. Nessa jornada de professora e pesquisadora, se dedica a entender e ensinar sobre o sistema imune no combate a diferentes patógenos, em especial as superbactérias. Essas bactérias são um enorme problema de saúde pública mundial, pois conseguem resistir aos antibióticos tradicionais. “O objetivo do meu grupo é encontrar anticorpos que possam ser usados contra elas”, explicou.
“Entender melhor o nosso sistema imune, é como ligar peças de um quebra-cabeça que está dentro de cada um de nós, funcionando todos os dias. Decifrando os enigmas da imunologia podemos entender mais sobre as próprias doenças”, explicou, empolgada, a Acadêmica, que hoje incentiva seus alunos a valorizarem mais a trajetória e menos a chegada. “Uma coisa que me encanta na ciência é quando você faz um experimento com um objetivo, mas acaba descobrindo outra coisa completamente inesperada”.
Ela avalia que ser eleita para a Academia Brasileira de Ciências é um reconhecimento pelo caminho trilhado. “É a maior honra profissional que já recebi, e pretendo atuar de forma comprometida. Em particular, me interessei muito pelo Grupo de Trabalho sobre Desinformação Científica, tema sobre o qual tenho refletido desde o doutorado. Acredito que a desinformação em ciência ocupe o espaço que nós cientistas falhamos em ocupar”, avaliou.
Mas nem só de ciência vive o cientista. Nas horas vagas, Priscilla curte a família que formou com o marido Ricardo, com quem teve Lucas, de quatro anos, e também cuida do cachorrinho Olaf, de oito. “Adoro passear com meu filho pelo Rio de Janeiro. Gosto de observar com ele a natureza e a arte, e vê-lo crescer. Adoro música e sou bastante eclética, escutando desde Caetano a Mc Marcinho, passando por Coltrane e Chopin. Estou sempre apresentando novas músicas ao Lucas e ele já tem seus favoritos: Queen, Beatles e Coldplay. Dançamos e cantamos juntos sempre”, contou, com carinho.
Finalizando, a Acadêmica falou da importância da solidão. “Toda semana separo dois dias para acordar às 5 horas e ir correr na Lagoa. É um momento só meu, observo a paisagem, em constante modificação, penso em todos os problemas e nas soluções. Admiro a calma das garças e a agilidade dos biguás. Volto para casa renovada”, declarou Priscilla Olsen.