Já imaginou viver num mundo onde existe mais de uma espécie humana?

Estamos tão acostumados em pensar que somos únicos no mundo natural, que essa pergunta pode nem fazer sentido. Mas era exatamente esse o mundo de 50 mil anos atrás, quando populações de humanos modernos coexistiam, e por vezes se reproduziam, com populações de neandertais. O estudo da evolução humana, e sobretudo dessa nossa espécie-irmã, foi o que rendeu o Prêmio Nobel de Medicina de 2022 ao cientista sueco Svante Pääbo.

O homem de Neandertal não é um antepassado dos humanos modernos, como muitas vezes se pensa, mas uma outra espécie do gênero Homo. Assim como leões e leopardos coexistem na África atualmente, humanos modernos e neandertais habitaram a Eurásia, até que estes últimos foram extintos 30 mil anos atrás. Mas compreender o que temos em comum com os neandertais e em que grau nossas espécies se relacionaram no passado requeria algo que sempre pareceu impossível: o sequenciamento genético da espécie.

Foi a esse desafio que Pääbo dedicou boa parte de sua carreira, e no processo acabou criando todo um campo de estudo: a paleogenômica. Desvendar o código genético de fósseis era uma tarefa complexa, devido a degradação e a contaminação que as amostras sofreram ao longo dos milênios. Mas utilizando os avanços nas tecnologias de sequenciamento a seu favor, Pääbo mostrou ao mundo que era possível, e em 2013 publicou o primeiro genoma completo do Homo neanderthalensis.

Reconstrução de como seria o rosto de um homem de Neandertal (Imagem: Servaas Neijens)

Neanderthal e Denisova

Em 2008, um fragmento ósseo extremamente preservado foi encontrado nas cavernas de Denisova, no sul da Sibéria. A amostra foi enviada para que a equipe de Pääbo a sequenciasse, e os resultados foram surpreendentes. Análises comparativas mostraram diferenças significativas tanto com o DNA de homens modernos e neandertais. Descobria-se então uma nova espécie humana, que também habitou a Eurásia simultaneamente às outras: o Homo denisova.

A comparação mostrou também que existia um fluxo genético significativo entre essas populações e as de Homo sapiens, com efeitos que podem ser sentidos ainda hoje. Estima-se que, em média, entre 3 e 4% do DNA de europeus e asiáticos modernos seja herdado dos neandertais e denisovianos. Essas descobertas são de valor inestimável para a compreensão da expansão e diversificação da espécie humana, e têm desdobramentos inclusive na medicina moderna.

As descobertas de Pääbo jogam luz sobre como o mundo era povoado na época em que o H. sapiens migrou para fora da África 

Svante Pääbo no Brasil

Em 1992, o membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Sérgio Danilo Junho Pena recebeu Svante Pääbo em um congresso sobre marcadores genéticos em Belo Horizonte. O Acadêmico lembra com carinho da ocasião e destaca o pioneirismo da ciência feita pelo sueco.

“Svante Pääbo foi o primeiro a estudar o que chamamos hoje de arqueologia molecular, estabelecendo os critérios para separar o DNA original de possíveis contaminantes. Após esses estudos, Pääbo conseguiu montar todo o genoma dos Neandertais, o que era considerado impossível até então, e mostrou que resquícios da genética desses homens antigos permanecem no código genético de europeus e asiáticos modernos”, descreveu Pena. “É um objetivo da ciência moderna saber tudo que for possível sobre o Homo sapiens e todas as outras espécies de humanos que já habitaram a terra”, concluiu.

Confira a matéria completa do Prêmio Nobel.