No terceiro dia da edição de 2022 da Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências foi realizada a Sessão Temática “Vida e Saúde”, mediada pelo Acadêmico e presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Jerson Lima Silva. A sessão, que encerrou o último dia de reunião, contou com a presença dos pesquisadores Alicia Kowaltowski (USP), Michel Satya Naslavsky (USP) e Sergio Teixeira Ferreira (UFRJ), que refletiram sobre os caminhos para uma velhice saudável e seus desafios, como a doença de Alzheimer e a obesidade.
Restrição calórica e envelhecimento
Segundo a Acadêmica Alicia Kowaltowski, um dos principais inimigos do envelhecimento saudável é a obesidade – isso porque, em humanos, esta comorbidade é associada ao aumento da incidência de uma variedade de doenças relacionadas ao envelhecimento. “Nos últimos 40 anos, temos muito acesso a comida, principalmente a comida industrializada, fast food… Isso nos proporciona um engordamento pouco saudável”, explicou a professora da Universidade de São Paulo.
Através de testes com roedores realizados em seu laboratório, a pesquisadora obteve dados inovadores sobre como o engordamento não saudável (dieta ad libitum) e dietas de caloria restrita causam impactos no pâncreas e influenciam no surgimento de comorbidades como a diabetes tipo II.
As descobertas de Kowaltowski apontam falência pancreática como efeito crônico da hipernutrição. E não é só isso – ao contrário do que se esperava, o perecimento das células não ocorre com o passar dos meses: após apenas 24 horas de incubação de uma célula obesa, ela já não é mais normal, e passa a demonstrar os primeiros sinais de incapacidade em secretar insulina. A Acadêmica explicou: “O soro do animal obeso afeta a dinâmica mitocondrial, mostrando que células de animais magros diluem a célula três vezes mais rápido .” A dinâmica mitocondrial consiste no processo de respiração celular, que ocorre através da oxidação de moléculas como ácidos graxos (lipídeos) e glicídeos (açúcares e amidos), em especial a glicose, que é a principal fonte de energia utilizada pelos organismos heterotróficos. Ou seja, com base na informação fornecida pela pesquisadora, as células magras produzem mais energia e queimam açúcares, amidos e lípidios com mais rapidez.
Kowaltowski afirma que pode haver fatores no sangue que influenciam na degradação dessas células, que pode estar relacionada à presença de adiponectina, hormônio associado com a obesidade e diabetes tipo 2. No caso desse hormônio, sua concentração é inversamente associada com a quantidade de tecido adiposo, ou seja: a expressão excessiva de adiponectina previne o acúmulo lipídico hepático.
Ao inserir o hormônio nas células beta para ver como elas reagiriam, foi possível perceber a forte indução de respiração celular. Já é um fato comprovado que células em cultura precisam de soro, pois precisam de diferentes hormônios para continuarem viva. No entanto, a adiponectina se provou um grande indutor de metabolismo mitocondrial, dispensando o uso do soro e provando-se um regulador extremamente importante para respiração da célula. “Ou seja, não há nada na amostra das pessoas obesas que piorem essas células, apenas uma falta de adeponectina que ajuda a não metabolizar”, conclui Kowaltowski.
Dados genômicos e medicina de precisão: um caminho para a longevidade
Os avanços na medicina de precisão dependem da descrição de uma complexa interação entre genômicas, exposição ambiental e componentes intermediários que se relacionam, como hábitos de alimentação e manutenção da saúde. De acordo com o biólogo e geneticista Michel Satya Naslavsky, o envelhecimento enquanto processo biológico é de interesse direto para esta área da medicina, já que diversos eventos cruciais ocorrem antes desta fase da vida. O pesquisador busca, em suas análises, compreender as perspectivas exploráveis para a compreensão de fatores genéticos e ambientais associados ao envelhecimento a partir de grandes amostras, e quais são as formas de contribuir para reduzir assimetrias em saúde pública no contexto da medicina de precisão.
De acordo com Satya, os idosos brasileiros fornecem uma grande gama de variedades genéticas (cerca de 2 milhões de variantes) e são pouco representados nos bancos de dados globais, assim como seus ancestrais. Caso tais dados já estivessem catalogados globalmente, certamente aumentariam a precisão do diagnóstico prévio da incidência molecular de doenças genéticas, como as demências, o câncer e doenças autoimunes. Naslavsky conta que seu maior desejo é a criação de um arquivo brasileiro de mutações genômicas que seja oferecido de forma gratuita, para que cientistas tenham acesso às variantes e às frequências alélicas.
Naslavsky faz parte do grupo de pesquisa SABE Study – Núcleo de Saúde, Bem Estar e Envelhecimento da USP, que acompanha idosos do Censo IBGE do estado de São Paulo. Os cientistas coletam amostras de idosos saudáveis para o banco genômico – um processo que, graças aos avanços da medicina e à colaboração internacional, custa menos do que o valor original (cerca de 5 mil dólares).
Desafios e oportunidades da pesquisa em demência
A população global está envelhecendo. Isso é um fato. Em 1822, quando a Independência do Brasil foi proclamada, a expectativa de vida média da população brasileira era de 25 anos. Hoje, mesmo com a pandemia – que provocou uma queda nos números –, o número já quase triplica: 72,2 anos. A pirâmide invertida (quando a população mais velha supera a população mais jovem) já se tornou realidade, graças aos avanços da medicina, da ciência e das tecnologias. “Isso só prova a importância da pesquisa na vida humana”, afirma o Acadêmico Sérgio Teixeira Ferreira. E completa: “A pirâmide invertida está se tornando uma realidade mundial.”
Esse envelhecimento da população acarreta na prevalência das doenças crônicas e degenerativas, como a doença de Alzheimer e outros tipos de demência. Atualmente, os diagnósticos para esta patologia estão aumentando de forma exponencial: no Brasil, cerca de 1,5 milhão de pessoas têm algum tipo de demência. Os números atuais são o dobro do que eram há 30 anos, e a expectativa é que os dados atuais quadrupliquem nos próximos 30 anos. No futuro, estima-se que 40% da população idosa tenha Alzheimer ou similar – e achar uma cura ou forma de prevenção para estas doenças é um grande objetivo de neurocientistas e pesquisadores da área médica.
Uma das sugestões apontadas por Teixeira é o desenvolvimento de um plano nacional de tratamento para Alzheimer e outras doença do envelhecimento. Nesse aspecto, o Brasil já está atrasado, visto que outros países latinos, como Chile e Argentina, já possuem planos em desenvolvimento. Ferreira compartilha as perspectivas para o futuro: “Hoje em dia, o custo anual global com cuidado dos pacientes de demências já ultrapassa 1 trilhão de dólares. Com o aumento da população idosa, esse número deve duplicar até 2030. O PIB do Brasil é U$S 1,6 trilhão. Ou seja, em oito anos, o gasto com tratamentos será superior ao PIB nacional.”
Apesar de já terem sido realizados mais de 1.600 testes clínicos para tratamento de Alzheimer desde 2002, ainda hoje não há uma terapia efetiva para tratar a doença. Os maiores esforços que estão sendo feitos no momento são para obter um diagnóstico precoce da doença – os sintomas tardios da doença são alguns dos principais fatores que podem estar prejudicando a descoberta de fármacos para o tratamento. Ferreira conta que já ocorreram testes de sucesso relativo na área; no entanto, eles não surtiram efeito em um número grande de pessoas com a enfermidade.
Atualmente, considera-se também a terapia imunogênica, muito utilizada para o tratamento do câncer, para o tratamento das demências. “A busca pelo tratamento para Alzheimer já teve uma visão neurocêntrica e, com isso, muitos pesquisadores acabavam esquecendo que o cérebro tem outras estruturas. Um quadro agudo de Alzheimer, por exemplo, provoca uma grande resistência à insulina, que causa inflamação e consequente perda de memória”, explica o Acadêmico. Outras questões que também estãosendo levadas em conta são os hábitos que a pessoa teve durante a vida, como práticas esportivas. No momento, há vários estudos epidemiológicos investigando a conexão entre exercício físico e as doenças do cérebro. Um dos hormônios mais estudados é a irisina, descoberta em 2012, que é secretada pelo músculo esquelético em resposta ao exercício e produz efeitos na saúde mental, na resposta imunológica e no comportamento motor.
Encerramento
Ao fim da 3a Sessão Temática, os coordenadores gerais do evento, Glaucius Oliva e Alvaro Prata, foram convocados para realizar a cerimônia de encerramento. Em suas falas, teceram elogios às apresentações e compartilharam suas expectativas para o futuro: “Hoje fomos brindados com uma sessão realmente inspiradora. É muito importante ter acesso a dados tão recentes e falas elaboradas com tamanha clareza e profundidade para abordar os temas. No melhor espírito de como as Reuniões da ABC devem ser”, disse Oliva, novo vice-presidente da ABC para a Região São Paulo. “Quem assistiu se surpreendeu com a abrangência e a importância da ciência e das análises científicas bem feitas. Esperamos que cada um de nós possa seguir nessa defesa incondicional da ciência”, completou Prata, que compõe a nova Diretoria da ABC.
Numa fala incisiva, a nova presidente da ABC, Helena B. Nader coroou o encerramento da Reunião Magna da ABC 2022: “Ontem contamos com a presença do ministro Paulo Alvim, do MCTI. Se ele estiver com dúvidas de como deve projetar o ministério do qual ele está sendo líder, é só ele assistir a essas palestras e já terá uma ideia de para onde deve direcionar os recursos. Está muito evidente que nós temos como tópicos urgentes a preservação e a sustentabilidade. Temos que investir nas pautas de biodiversidade, de saúde pública e de controle da informação.”
Confira a galeria de fotos do evento:
(Fotos: Clara Schmid – ASCOM ABC)
Assista ao último dia da Reunião Magna de 2022 no canal da ABC no Youtube:
Gravação disponível também com tradução simultânea para o inglês.