A presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), Cláudia Queda de Toledo, pediu “união de esforços” de toda a comunidade acadêmica e científica no enfrentamento da turbulência que se abate sobre a instituição. O episódio mais recente da crise foi a renúncia coletiva de 51 pesquisadores das áreas de Matemática, Probabilidade e Estatística (Mape), e da área de Física que trabalhavam na avaliação quadrienal dos cursos de pós-graduação.

“Quero pedir, humildemente, a toda a sociedade cientifica que, em um momento de crise ou de desafio, que não abandonem o barco, estamos todos juntos”, afirmou Toledo nesta segunda-feira (29), durante participação no “Dia em Defesa da Pós-Graduação”.

Promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o manifesto em formato de painéis e mesas-redondas virtuais reuniu reitores, professores, cientistas, pesquisadores e representantes de entidades acadêmicas e científicas.

Convidada para a exposição de abertura, a presidente da Capes afirmou que a defesa da Pós-Graduação é uma pauta “de interesse público”, “de toda a sociedade”, mas também “desafiadora”, referindo-se à questão da avaliação quadrienal que foi suspensa em setembro, por determinação judicial.

Ela reiterou o compromisso da Capes com a continuidade do trabalho – “indeclinável, com unhas e dentes, sangue nos olhos” -, mas lembrou que o assunto está hoje fora do controle da agência, em razão da ação movida pelo Ministério Público Federal (Inquérito Civil Público nº 1.30.001.0005132/2018-61) e acolhida pela juíza Andrea de Araújo Peixoto, da 32ª Vara Federal do Rio de Janeiro. O MPF questiona os parâmetros adotados para a avaliação. Toledo garantiu que está fornecendo todos os dados e respostas pedidas pela Justiça e que propôs um acordo de conduta para restabelecer imediatamente a avaliação, o que até agora não foi concedido.

Mandatos do CTC

Questionada também pela extensão dos mandatos dos membros do Conselho Técnico e Científico (CTC), ela comentou que não pretende tomar decisões que causem “instabilidade” ou qualquer “ato de insegurança jurídico e insurgência”. “Os mandatos estão vigentes, temos um pequeno fôlego para tratar do assunto”, afirmou, reiterando que está disposta ao debate sobre o tema e que não há necessidade de “cartas de críticas abertas”.

Os participantes convidados ao painel de abertura do “Dia em Defesa da Pós-Graduação” criticaram a gestão da agência e os cortes de verbas para a pesquisa. O ex-presidente da Capes, Carlos Jamil Cury, pediu maior participação da comunidade e transparência.

“Estamos muitíssimos preocupados com a situação da Capes e dos programas de pós-graduação”, frisou o diretor da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Alfredo Macedo Gomes.

Para o climatologista Carlos Nobre, que foi presidente da Capes em 2013, a situação atual da agência reflete o negacionismo científico do governo federal. “Estamos vivendo um ataque à ciência que nunca vi em quatro décadas”, afirmou Nobre.

A cientista Helena Nader, vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e presidente de honra da SBPC, se colocou à disposição para ajudar a convencer o MPF da importância e urgência da continuidade da avaliação e se disse preocupada com o reflexo da crise sobre a disposição dos jovens. “Estamos cortando a esperança dos jovens”, afirmou Nader, associando a crise da pós-graduação com a que também atingiu o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

A presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Flávia Calé, defendeu a construção do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) como forma de sinalizar um futuro para os jovens pesquisadores que, segundo ela, estão se evadindo da universidade por falta de bolsas de estudos e perspectivas. “Estamos perdendo cérebros”, alertou Calé.

Mais do que evasão, as inscrições em programas de pós-graduação estão em baixa, acrescentou Carlos Henrique de Carvalho, presidente do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop). “Acho que temos uma crise de desencanto com o próprio sistema, com uma certa letargia que ele vem ganhando, temos que ter uma reação forte para recuperar a confiança dos jovens”, afirmou.

O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, que atuou como mediador, agradeceu a presidente da Capes por sua participação no evento e a exortou a buscar uma solução rápida para o problema da avaliação quadrienal. “Não há progresso da ciência sem haver avaliação”, declarou.

No encerramento do painel, Janine Ribeiro reafirmou a necessidade de levar em conta a situação “absolutamente imprescindível” de que a avaliação quadrienal seja levada a cabo com a mesma comissão que conduziu todo o trabalho de acompanhamento. “Creio que se não houver continuidade com as mesmas pessoas (comissão), perder-se-á muito, haverá um dano irrecuperável” do trabalho de avaliação, afirmou o presidente da SBPC. “Pedimos que haja um empenho rápido na solução dos problemas da quadrienal”, frisou. E, comentando a observação final da presidente da Capes, segundo a qual deve se conduzir com prudência na discussão das pendências judiciais, o dirigente da SBPC lembrou que, na filosofia, “prudência” inclui tanto cautela quanto arrojo e audácia: “Há momentos em que é preciso arrojo, enfrentamento”, disse.

 

Assista ao painel na íntegra, no canal da SBPC no Youtube.