“Quando eu era pequeno, não imaginava que poderia me tornar um bom cientista – como as pessoas dizem que sou agora”, comentou o químico Ben Feringa, vencedor do Nobel de Química em 2016, em conversa com jovens pesquisadores latinos. Junto com Emmanuelle Cherpentier, May-Britt Moser, Saul Permutter e Elizabeth Blackburn, o holandês compôs o time de laureados que participou do Diálogo Nobel América Latina e Caribe, um bate-papo entre cientistas renomados e 80 estudantes. A iniciativa é fruto de uma parceria entre o Nobel Prize Outreach, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Rede Interamericana de Academias de Ciências (Ianas).
Bernard Lucas Feringa é um químico orgânico de origem holandesa. Concluiu seu doutorado na Universidade de Groningen, nos Países Baixos, onde é professor até os dias de hoje. É especialista em nanotecnologia molecular e catálise homogênea. Aos 65 anos, conquistou o Nobel de Química, juntamente com os colegas de trabalho Jean-Pierre Sauvage e Fraser Stoddart, por seu trabalho em máquinas moleculares.
Bem-humorado e extrovertido, Feringa teve uma interessante conversa com os alunos presentes na quarta sessão do evento, debatendo tópicos intrínsecos à ciência, desde a experiência nos laboratórios até fake news. Confira os melhores momentos.
Playground científico
Feringa passou a infância em uma aldeia na fronteira com a Alemanha, uma região remota no nordeste da Holanda. Àquela época, tornar-se um grande cientista ainda era um sonho muito distante para ele. Sua maior motivação, no entanto, foi o ambiente ao seu redor: criado em uma fazenda com mais nove irmãos, Feringa classificou o local como um “playground gigante”, com inúmeras possibilidades e coisas a serem descobertas. “Quando eu era criança, gostava muito de estudar. O que me levou para esse caminho [da ciência] foi a curiosidade e a vontade de aprender, de obter inspiração da mãe natureza ou da beleza à sua volta”, comentou o pesquisador.
Com o passar dos anos, o químico ganhou o mundo e encontrou um novo playground: a academia. Agora, sua família é ainda maior, com uma rede de colegas de diversas idades em todos os cantos do mundo. Para Feringa, estabelecer uma rede de conexões é uma das melhores partes de ser um cientista: “Temos colegas na China, na América do Sul, na África, experientes e inexperientes… Isso é fantástico! Estamos em um território desconhecido, que estimula nossa paixão por aprender e descobrir.”
Feringa e os alunos selecionados para a conversa
A ética de um bom cientista
Questionado sobre o que é preciso para ser um bom cientista, o pesquisador afirma que ter conhecimento interdisciplinar é indispensável, assim como paixão pelo aprendizado. “Às vezes, estamos em território desconhecido. Então, é fundamental ter conhecimento nas áreas correlatas. Todo dia eu aprendo algo novo”, confidenciou. Segundo ele, o processo contínuo de aprendizado e estudo é o que torna a ciência tão atraente e eleva seu nível como cientista.
Pensar fora da caixa é um fator que eleva cientistas ao patamar de destaque. Feringa recomenda fugir dos livros tradicionais e expandir o pensamento, procurando áreas correlatas e se aventurando nos laboratórios. “Quando algo dá errado e o resultado é completamente diferente do esperado, você aprende muito. Esse foi um dos motivos pelos quais me entusiasmei com a química”, revelou o acadêmico, afirmando que a vida do cientista muda após a primeira descoberta.
Apesar da ciência estar se desenvolvendo rapidamente, com cada vez mais tecnologias e meios de processar informações, isso não significa que o trabalho do cientista esteja perdendo sua magia ou tornando-se fácil – afinal, o mundo também apresenta novos problemas a serem solucionados. “Fico impressionado com o que faziam há 100 anos, quando não havia recursos como o raio-x, por exemplo”, comenta o Feringa. “As novas técnicas facilitam nossa vida, é claro, mas não quer dizer que é uma tarefa banal. Os problemas continuam desafiadores, trabalhosos e intrigantes, como era há 100 anos.”
Para continuar incentivando uma nova geração de cientistas de sucesso, ele afirma que é necessário incentivar as crianças a buscarem respostas para suas perguntas e estimular sua curiosidade. “Perguntas são como bolhas de sabão para crianças”, comparou Feringa. “Todas as vezes que um adulto acha uma pergunta boba, um cientista morre.”
Sempre há algo a ser descoberto
Henrique Barros Pinto, um dos jovens brasileiros selecionados, levou a pauta da integridade e dos dados verdadeiros para o debate. “Por que temos tantas notícias falsas sobre ciência, movimento anti-vacina e fenômenos similares? Há alguma forma de evitar isso?”, perguntou o graduando de engenharia mecânica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Segundo o químico, é dever de todo acadêmico produzir uma ciência confiável, independentemente de sua área. No entanto, isso não significa saber todos os dados. “O que temos a oferecer é o conhecimento com base no que sabemos hoje. Não conhecemos todas as possibilidades. A ciência não é ‘preto no branco’, ela está em constante evolução. Uma nova informação pode mudar a forma como vemos algo”, destacou o pesquisador.“Precisamos ter cuidado”, advertiu Feringa. “Nós, cientistas, temos o dever de difundir conhecimento, insights e ciência. Essa é a base do futuro dos cientistas.”
Assista à sessão completa a seguir: