Confira trechos do artigo de autoria de Virgílio Almeida, diretor da ABC, em conjunto com Francisco Gaetani, publicado no Valor Econômico no dia 12/11. O texto aborda o uso das tecnologias digitais na promoção da sustentabilidade.

O recado é simples e curto: não existe futuro sem a revolução verde e não se faz a revolução verde sem o digital. São muitas as razões que mostram a necessidade de se unir sustentabilidade às tecnologias digitais. O relato do cotidiano da COP26, em Glasgow, é um bom caso para perceber o papel do digital.

Se alguém falasse que as Nações Unidas organizariam um evento global sobre a Emergência Climática com milhares de pessoas e que todas fariam, ao longo de duas semanas, testes diários para verificarem se estão com covid-19, ninguém acreditaria. Pois bem, Glasgow, capital da Escócia, é a anfitriã da 26ª Conferência das Partes (COP26) após estes dois dolorosos anos de pandemia.

Uma combinação de tecnologia, ciência e confiança permitiu que testes com razoável grau de confiabilidade fossem distribuídos a todos participantes para que cada um verificasse se está contaminado, diariamente.

Todos baixam aplicativos nos seus celulares e entram com os resultados todos os dias por duas semanas. A aposta do poder público foi decisiva: disponibilizou gratuitamente os testes, desenvolveu o aplicativo, organizou uma logística inimaginável e presumiu que as pessoas buscariam cuidar de si e dos seus no enfrentamento de uma ameaça letal.

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Este curioso encontro do coronavírus com as tecnologias digitais, típico das distopias contemporâneas é um exemplo da convergência de tendências globais em processo nos últimos anos, que se aprofundam sem que a sociedade e governos se deem conta da inevitabilidade, irreversibilidade e velocidade do digital.

A nova revolução verde destina-se a impedir que a exploração dos recursos naturais pela espécie humana produza sua extinção. O conceito é simples: incorporação de limites no cálculo econômico, ao invés de se trabalhar com uma perspectiva de espoliação imediatista e inconsequente. O resultado em relação ao valor público tem que ser maior ou igual a zero. E aí chega-se a mais exigências do futuro, que são “accountability’’ e transparência, características essenciais para acompanhar a participação dos diferentes setores da sociedade na emissão dos gases de efeito estufa.

Sem uma moderna e confiável infraestrutura digital, fica difícil avaliar os avanços do país em direção à sustentabilidade. Sensores e dispositivos digitais podem gerar e capturar dados ao longo do ciclo de vida dos produtos. Registros digitais imutáveis podem ajudar a manter o histórico de materiais e emissões de um produto. A transformação digital permite o acompanhamento da trajetória dos produtos desde sua origem até seu destino final. Rastreabilidade é o nome do jogo.

As novas tecnologias têm viabilizado práticas inovadoras e impensáveis alguns anos atrás. O boom de inovações nas cidades inteligentes, agricultura de precisão, genética da reprodução, logística de mineração, “chipamento’’ de gado e árvores, dentre outros exemplos, revelam que a transformação digital está revolucionando as possibilidades da sustentabilidade urbana e rural – e para o bem!

Tecnologias digitais podem também criar alternativas para acelerar procedimentos e comportamentos sustentáveis. Por exemplo, “passaportes de produtos”, informando aos consumidores e à indústria sobre a origem, composição e reciclagem de produtos são elementos indispensáveis para os consumidores conscientes das exigências de sustentabilidade. No uso da terra, tecnologias digitais podem apoiar modelos inovadores de financiamento e o uso sistemático de novas métricas “verdes”, criando “scores’’ ambientais identificáveis a micro e macro regiões de terra, semelhantes às pontuações de crédito, levando em consideração dados sobre produção, biodiversidade e outros indicadores de saúde ambiental.

O mundo desenvolvido tem pressa e o Brasil precisa mostrar ações concretas, se quiser tornar-se a potência verde que tem tudo para vir a ser. Mas não pode mais acomodar-se no “já é!” Precisa de políticas públicas adequadas, participação do setor privado, investimento em ciência e tecnologia e iniciativas do governo em direção da sustentabilidade.

As coisas chegaram a tal ponto que os mercados internacionais de commodities estão desistindo do Brasil. Não porque nossos tradicionais compradores como os europeus queiram. São os consumidores e eleitores que estão exigindo dados e informações confiáveis sobre os produtos. A reação – justa ou injusta – está vindo de fora e para valer: restrições comerciais, ameaças de boicote, exposição pública e penalização das exportações brasileiras.

Transformação verde e transformação digital são estratégias de futuro do país e devem avançar juntas. Mas falta um terceiro componente nessa visão de futuro. Lembrando uma expressão bem brasileira, “é preciso combinar com os russos”. Só que no caso, é conosco mesmo. Todos devem participar e contribuir para essa visão de um planeta sustentável tornar-se prevalecente. Não se faz uma revolução verde abandonando parte da população brasileira. Não se implementa uma estratégia de sustentabilidade sem políticas de inclusão.