Leia artigo do Acadêmico Hernan Chaimovich publicado no Jornal da Ciência:

Há várias formas, ou intenções, de se comprar um guarda-chuva. Algumas têm a ver com compras antecipadas, outras são urgentes pois precisamos nos proteger, abrindo o guarda-chuva, para não se molhar tanto. Os guarda-chuvas somente servem quando está chovendo, se não, se guardam em algum armário. No meu armário há dois desses objetos, um pequeno, dobrável e outro grande, moderno, que abre de forma esquisita.

Numa instituição de apoio à pesquisa séria, e com orçamento próprio ou garantido, como a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), somente se assinam contratos para Programas, Projetos ou bolsas quando o orçamento necessário para investir nessas ações está garantido. A duração dos investimentos em cada modalidade pode variar desde uns poucos meses até mais de uma década. Convênios do tipo “guarda-chuva”, que envolvem/abrigam diversos tipos de ações (por isso o nome guarda-chuva) com entidades nacionais ou estrangeiras se assinam, na Fapesp, no entendimento de que a assinatura será acompanhada por uma ou mais chamadas de propostas para que pesquisadores das partes apresentem Projetos.

Usando o modelo anterior, os guarda-chuvas somente se abrem quando está chovendo, e jamais se colecionam para guardar no armário.

Em muitas Instituições de apoio à pesquisa, especialmente no Governo Federal, mas também em alguns Estados, as situações são bem diferentes. Convênios e chamadas podem ser lançados para pressionar liberação de recursos ou aumentar orçamento. Em muitos casos, projetos essenciais para o desenvolvimento do estado ou do país são lançados sem a mínima segurança que haverá recursos para financiá-los.

Algumas vezes, como no recente episódio da retirada de seiscentos milhões de recursos descontingenciados do FNDCT para o MCTI, existia, ao que parece, um acordo que resultou, com toda pompa e circunstância, no lançamento do Edital Universal. É ingenuidade acreditar que Programas podem ser lançados, e ainda projetos avaliados, sem a mínima segurança de que os recursos para os honrar serão garantidos.

De um governo federal como o atual, negacionista, que ignora que investimento em ciência acelera a retomada de crescimento, e que contribui ativamente para a morte de cidadãos por covid, pode-se esperar qualquer ato, ainda que pareça impossível descumprir promessa, com o dinheiro dos outros.

O Brasil ganhou liderança internacional pela proteção da biodiversidade, pela campanha contra o fumo, pelo tratamento das pessoas vivendo com HIV, pelo SUS, pelo crescimento da produção científica permitida pelo aumento dos programas de pós-graduação, por uma matriz energética das mais limpas do mundo, por atingir a destacada posição do maior fornecedor de soja e proteína para o mundo, para exemplificar. Essa posição de destaque foi alcançada, em boa parte, pelo trabalho de nossos cientistas e profissionais formados em sistemas públicos de ensino.

Algumas autoridades parecem esquecer que hoje as notícias locais se espalham pelo espaço sideral (tão mencionado pelo nosso astronauta) com a velocidade da luz. O mundo sabe da anti-ciência do presidente, das ações abusivas promovidas pelo governo federal na Amazônia, do criminoso retardo da vacinação, do culto à violência e a propaganda das armas, para mencionar algumas das características perversas do presente governo. E assim, a liderança internacional do Brasil, tão duramente alcançada, não só desaparece, mas o país é visto hoje alhures com certo desdém.

É, pois, interessante (por falta de uma palavra melhor que não cause rejeição nas redes sociais) que o astronauta e seus assessores, viajem pelo mundo assinando acordos, quando o mundo sabe que, pelo menos neste governo, a parte brasileira do acordo, se for financeira, jamais será honrada. Melhor seria liderar movimentos que permitissem descontingenciar os recursos do FNDCT, lutar por aumentar o orçamento do CNPq, manter os recursos da Capes e negociar, com muitos dos governadores que acreditam que as constituições estaduais são apenas sugestões, para que as Fundações de Amparo à Pesquisa dos respectivos Estados recebessem os recursos constitucionais devidos.

No modelo descrito acima, os convênios guarda-chuva e muitos Programas lançados pelo governo federal com propaganda deslavada, nunca vão ver chuva. E o armário estará cheio deles.