Leia matéria de Ana Paula Bimbati publicada no UOL em 25/10:

O mais recente corte de orçamento para pesquisa no país, de R$ 600 milhões que seriam destinados ao MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), agrava um cenário de escassez que persiste desde o início dos anos 2000 e se acelerou a partir de 2016, afirma o ex-presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) Glaucius Oliva. “A única esperança da ciência no Brasil é conseguir sobreviver até o fim desse governo”, afirma.

No início do mês, a pedido do Ministério da Economia, o Congresso Nacional aprovou projeto que retirou o valor do orçamento e destinou o dinheiro para outras áreas. Parte da verba viria de recursos contingenciados do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). 

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Processo de longo prazo

Oliva pontua que os cortes ocorrem há anos. “O único ano em que o recurso do FNDCT foi repassado integralmente ao MCTI foi 2010. Antes e depois disso sempre tivemos valores contingenciados: 20%, 30%. Mas de 2016 para cá só aprofundou, chegando a 60% e agora a pouco mais de 90%”.

O orçamento da pasta já havia sido cortado em 29% em relação ao ano passado.

Estudo feito pela economista Fernanda De Negri, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), aponta que o orçamento do CNPq e do FNDCT, somados, são menores do que eram no início dos anos 2000.

O orçamento do CNPq em 2021 ficou em R$ 1,21 bilhão — o menor valor dos últimos 21 anos. O órgão não lançava desde 2018, por exemplo, o Edital Universal, que é considerado um dos principais processos da ciência brasileira por se tratar de um chamamento geral, da iniciação científica ao pós-doutorado.

Uma nova chamada foi lançada em setembro deste ano. Dos R$ 250 milhões estimados para fazer o edital acontecer, R$ 200 milhões viriam dos recursos que foram cortados.

“Não dá para esperar nada desse governo. Nossa esperança é que esse governo mude e que a gente possa ter algum diálogo com quem quer que seja eleito, que a gente sente conjuntamente para dar uma outra trajetória para a ciência brasileira”, diz Oliva, que também é vice-presidente da ABC (Academia Brasileira de Ciência) da região São Paulo.

Os valores das bolsas de mestrado e doutorado não recebem correção desde 2013. Hoje, um bolsista de mestrado recebe cerca de R$ 1.500, e de doutorado, de R$ 1.800 a R$ 2.200.

Contingenciamento

No começo do ano, o Congresso Nacional chegou a aprovar uma lei complementar que proíbe o contingenciamento de recursos do FNDCT. O tema chegou a ser vetado por Bolsonaro, mas depois os parlamentares derrubaram o veto. Com a legislação em vigor, os cientistas, segundo Oliva, começaram a se organizar porque acreditava-se que a situação na área iria melhor.

O Ministério da Economia, no entanto, trabalhou para que a lei fosse publicada após a votação da LOA (Lei Orçamentária Anual), o que abriu espaço para que a lei complementar pudesse passar a valer apenas em 2022.

Boa parte da verba do FNCT fica travada, porque é separada para fazer empréstimos para inovação nas empresas privadas. Os juros cobrados pelo órgão, no entanto, estão acima de outras linhas de crédito, o que não atrai os empresários e deixa o recurso parado.

Efeitos dos cortes

A redução no orçamento e os frequentes cortes na área da ciência e tecnologia trazem prejuízos a curto e longo prazo. Segundo o pró-reitor de Pesquisa da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Mario Montenegro Campos, o Centro Nacional de Vacinas corre o risco de não sair do papel.

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O centro ajudaria o Brasil a produzir vacinas nacionais para combater vírus como o coronavírus. No ano passado, o país foi o primeiro a sequenciar o genoma da covid-19, mas não tinha tecnologia para desenvolver uma forma de mitigá-lo. “Com o centro, não dependemos de tecnologia externa, e não precisamos depender da vacina de outros países, por exemplo”, explica o pró-reitor.

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Aluno sem bolsa

Para o professor Ovídio da Silva Camico, o sonho de concluir o mestrado talvez seja adiado após o corte orçamentário. Desde março, ele espera uma bolsa de R$ 1.500 para conseguir dar continuidade aos estudos.

“Trabalho na área da educação desde 2005, em escolas dentro de comunidades indígenas, e no ano passado consegui entrar no programa de mestrado da UFAM [Universidade Federal do Amazonas]”, conta. Como focaria nos estudos, Camico abandonou as atividades em sala de aula e foi para a cidade de São Gabriel da Cachoeira.

As últimas semanas ele tem passado em Manaus, para conseguir receber as orientações necessárias para a pesquisa. Mas não sabe se conseguirá continuar sem dinheiro para se bancar. “Esses cortes atrapalham quem quer estudar, pesquisar, e acaba sendo uma dificuldade para quem deseja entrar em um mestrado também”, afirma o professor.

Segundo a pró-reitora em exercício de Pesquisa e Pós-Graduação da UFAM, Adriana Malheiro Alle Marie, o programa de que Camico faz parte tem nota 3 pela Capes e, por isso, sofreu uma redução no número de bolsas no começo deste ano.

Para conseguir suprir a demanda, a universidade, que também consegue bolsas pela Fapeam (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas), tem feito um remanejamento de bolsas entre diferentes programas.

“Apesar de muitos cortes, a gente tem conseguido manter uma política de bolsas para quase 90% dos que necessitam, mas não sei até quando isso será possível”, explica Adriana.

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