Elisa Reis e Marc Fleurbaey

O quarto e último dia da Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências 2021 recebeu para a Conferência Magna o professor da Escola de Economia de Paris e da Universidade de Princeton Marc Fleurbaey, especialista em economia normativa e teoria da escolha social. A palestra teve como tema “Desigualdade e Interdependência” e foi moderada pela Acadêmica Elisa Reis.

A desigualdade é compreendida pela economia em termos de posse de recursos, como de dinheiro ou de educação; e pela sociologia em termos de estruturas estáveis, como as classes sociais. Marc Fleurbaey estimula que pensemos a questão também pela ótica de interdependência entre pessoas.

“Humanos são extremamente dependentes das interações uns com os outros e a qualidade dessas interações naturalmente gera desigualdade”, explicou Fleurbaey, acrescentando que muitas dessas interações têm pouca relação com o mercado ou o Estado. “A pandemia criou desigualdades entre pessoas suscetíveis e resistentes, entre imunizados e vulneráveis, e também é influenciada pela interação entre elas”, exemplificou.

Para além da pandemia, muitos são as interações que constroem a experiência humana, como as que ocorrem no ambiente escolar, familiar ou de trabalho. Fleurbaey apresentou modelos de mobilidade social baseados em três tipos principais de interação – competição, atração e cooperação – e avaliou os resultados estatísticos que cada modelo obteve, comparando com exemplos da realidade de empresas ou instituições de ensino.

Ele acredita que a lógica da competição é, de certa maneira, inerente à biologia e evolução humana e têm seus benefícios no tocante ao progresso, mas que “fundamentalmente gera prejuízos e desperdícios, tanto de recursos quanto de potencial humano coletivo, na medida em que existe estímulo para internalizar benefícios e externalizar os problemas”.

O combate à desigualdade, segundo o palestrante, deve ser feito institucionalmente, internalizando os custos da competição e estimulando formas cooperativas. “Mesmo em modelos de cooperação, a competição acaba surgindo de forma ‘extra-oficial’, mas não é tão forte do que quando é institucionalizada”, avaliou. Fleurbaey terminou com uma mensagem: “vivemos em uma sociedade com um trágico desperdício de potencial humano, que pode ser superado”.

Debate

Ao término da apresentação, o espaço foi aberto para o diálogo com participantes.

Elisa Reis e o presidente da ABC Luiz Davidovich questionaram o palestrante sobre outros parâmetros a serem incluídos no modelo, como a posição inicial de cada indivíduo e a inequidade de acesso à informação. Fleurbaey explicou que a primeira realmente não é compreendida nas análises mas que a segunda pode estar incluída dentro da hierarquia estipulada. “Na atualidade, a questão da desigualdade informacional se tornou tão relevante que vale a pena avaliar se esta não pode constituir uma segunda dimensão para o modelo”, avaliou.

Fleurbaey também trouxe uma provocação interessante sobre as redes sociais: “Essas mídias introduziram competição em campos onde esta não era frequente. Isso ocorre porque são definidos parâmetros muito objetivos de sucesso social, como as curtidas, o que torna os efeitos tóxicos da competição, sobretudo entre jovens, muito mais severos”.

Quanto à definição de progresso social, o palestrante afirmou que esse parâmetro deve ser modificado. “Além de recursos e poder, progresso deve ser definido também pela qualidade das interações que temos uns com os outros”, terminou.

 

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