Patrícia Muniz de Medeiros nasceu em 1983, em Recife, no estado de Pernambuco. E não veio ao mundo sozinha: é irmã gêmea univitelina de Priscila, que também é pesquisadora. São filhas de mãe solo, que se desdobrou para garantir uma boa infância para as gêmeas. “Ela abriu mão de muitas coisas, mas nunca de uma educação de qualidade para nós duas.” O pai residia em outro estado, Rio Grande do Norte, e nunca participou ativamente da criação das meninas.  

Junto com a irmã, brincavam de tudo. Adoravam correr, jogar bola e também inventar, fabricando brinquedos com material reciclável e “estudando” o comportamento dos animais. Ingressaram juntas na universidade: enquanto Patrícia cursou biologia, Priscila fez jornalismo. A parceria seguiu firme e forte e hoje elas dão aula na mesma universidade, a Universidade Federal de Alagoas (Ufal). 

Sua família era de professores. Assim, o incentivo para os estudos foi algo que nunca faltou para Patrícia. A mãe, na época, era professora de inglês durante o dia e cantava em barzinhos durante a noite. Como trabalhava em escola de línguas, conseguiu bolsas para que as filhas estudassem inglês e espanhol, o que foi fundamental para o desenvolvimento da carreira acadêmica delas. No colégio, ela sempre gostou muito das ciências humanas: história, geografia e, mais tarde, literatura. O amor pela biologia só surgiu no final do ensino médio. E, na faculdade, ela encontrou um campo científico que permitiu unir suas paixões pela biologia e ciências humanas: a etnobiologia. 

O processo de escolha de graduação foi “bem engraçado”, nas palavras da pesquisadora, pois ela era muito indecisa. Durante o ensino médio, gostava de tantas áreas diferentes que a cada mês se decidia por uma carreira. Sua primeira ideia era ser jornalista, mas acabou desistindo – em parte por se interessar por outras áreas, em parte por querer criar uma identidade diferente da irmã gêmea, que já tinha certeza do que gostaria de cursar. Então, surgiram várias possibilidades: publicidade, história, geografia, economia. Perto do vestibular, ela havia se decidido pelo direito, porque queria ser diplomata e poder viajar pelo mundo. Depois se deu conta que não queria ser diplomata pela carreira, mas sim pela ideia de viver em diferentes lugares e conhecer culturas distintas. Por fim, percebeu que tinha muita afinidade com as ciências ambientais e, por isso, optou pela biologia. “Foi quase um ‘tiro no escuro’, mas acabou dando muito certo. No entanto, costumo dizer que eu seria feliz em muitas outras áreas, desde que eu continuasse sendo cientista”, disse. 

Entre as pessoas próximas Patrícia contou que não teve ninguém que tenha seguido a carreira acadêmica. Portanto, o universo científico era desconhecido para ela. “Quando eu era criança, a visão que eu tinha de um cientista era a de um homem branco e excêntrico que fazia experimentos misturando líquidos em um tubo de ensaio ou observava o universo com um telescópio.” Quando ingressou na faculdade de biologia, ela pensava em trabalhar no Ibama com resgate de animais. Sua trajetória mudou após uma visita à biblioteca da faculdade e a leitura de um livro chamado “As muitas faces da jurema: de espécie botânica à divindade afro-indígena”, de Clarice Mota e Ulysses Albuquerque. Fascinada pelo estudo do conhecimento local das plantas, ela se motivou para procurar o autor e tentar um estágio. Assim, seu primeiro modelo de cientista e também seu orientador na iniciação científica foi o professor Ulysses.  

Patrícia fez sua graduação na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e começou a IC no terceiro período, na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), onde seu orientador trabalhava na época. Apesar de ter recebido ofertas de bolsas de IC na sua universidade, ela optou por permanecer na área pela qual já havia se apaixonado e assim permaneceu quase até o fim da graduação sem bolsa, na modalidade voluntária do programa de iniciação científica. 

 A pesquisadora destaca a importância da oportunidade de conviver com o diverso grupo que compunha o Laboratório de Etnobotânica Aplicada (LEA). Sob liderança do professor Ulysses Albuqerque, eram realizadas reuniões semanais para discutir artigos, apresentar seminários e debater temas importantes. Ela cursou o mestrado (2010) e o doutorado (2012) em botânica, ambos na UFRPE. 

Patrícia Muniz de Medeiros hoje dedica seus estudos ao campo científico da etnobiologia, que analisa as relações entre as pessoas e os demais seres vivos. Entre seus objetos de pesquisa estão, por exemplo, o conhecimento de populações locais sobre plantas medicinais, plantas alimentícias, plantas madeireiras, animais de caça etc. Também se interessa pela forma como as pessoas manejam e utilizam os recursos naturais. 

Do ponto de vista aplicado, as pesquisas etnobiológicas podem ser bastante úteis na busca por novos produtos, como fármacos e cosméticos. Seus estudos recentes buscam formas de popularizar o consumo de plantas alimentícias silvestres, pensando em aumentar a renda de agricultores e extrativistas e, ao mesmo tempo, garantir a persistência destas espécies nos ambientes naturais.  

“Muitos pesquisadores desta área consideram que os seres humanos e a natureza são indissolúveis. Por isso, buscam entender os seres humanos como parte dos processos ecológicos”, afirmou a cientista. 

Do ponto de vista teórico, este campo científico tem um papel importante em desvendar aspectos da cognição e do comportamento humano. “Buscamos entender, por exemplo, por que algumas plantas ou animais são mais consumidos, conhecidos ou são alvo de atitudes mais positivas do que outros. Também nos interessamos por compreender por que nossa memória privilegia alguns elementos da natureza em detrimento de outros. E como a evolução biológica moldou a nossa forma de se relacionar com a natureza. Essas são algumas das questões que movem minha prática como etnobióloga”, explicou Medeiros. 

A possibilidade de gerar conhecimento em vez de apenas reproduzi-lo é o que fascina Patrícia na ciência. Ela identifica dois momentos mágicos no fazer científico: a criação de “algo novo” – uma pergunta de pesquisa que ainda não foi feita ou uma hipótese ainda não testada – e quando, a partir da avaliação dos dados obtidos, se chega a uma conclusão sobre esse “algo novo”. Entre os reconhecimentos por sua pesquisa estão o prêmio L’Oréal-Unesco-ABC Para Mulheres na Ciência 2019 e o International Rising Talents da L’Oréal-Unesco for Women in Science 2020.  

Enquanto membro afiliada da ABC, ela pretende contribuir para uma maior valorização da etnobiologia no meio acadêmico. Seu campo científico sofreu muito descrédito ao longo do tempo e, apenas recentemente, sua importância vem sendo reconhecida novamente.  

Além da ciência, outra das coisas de que Patrícia Medeiros mais gosta de fazer na vida é viajar, conhecer novos lugares e culturas, conhecer a história e o patrimônio material e imaterial dos locais visitados. Gosta de ler novelas históricas, escutar música (em especial música pernambucana e alagoana) e brincar com a filha Luna e o enteado. No tempo livre, também gosta de fazer trilhas e conhecer montanhas, cachoeiras e outras paisagens naturais. Ou seja, conhecer a natureza em todas as suas dimensões e pontos de vista.