Vivian Lipmann, moderadora do evento, e os participantes Ralph Hertwig, Margareth Dalcomo, Fernando Filgueira e Katherine Milkman.
No dia 8 de junho, a Academia Nacional de Ciências da Alemanha Leopoldina e Academia Brasileira de Ciências se reuniram no painel virtual “COVID-19 e Comportamento Humano na Saúde: Impactos e Tendências”. Mais de um ano após o início da pandemia, cientistas de quatro países – Alemanha, Brasil, EUA e Uruguai – discutiram como o comportamento humano relacionado à saúde mudou, quais comportamentos serão mantidos após a pandemia e outros desafios futuros da vida cotidiana.
O painel faz parte da série “Leopoldina International Virtual Panel Series”, um projeto da Academia Nacional de Ciências da Alemanha Leopoldina em cooperação com seus parceiros internacionais. Foi um debate interdisciplinar, visando abordar aspectos sociais, econômicos, cognitivos e da saúde.
A mediação ficou por conta da jornalista alemã Vivian Upmann, que deu início ao evento apresentando as propostas e as recentes atividades das Academias.
As vítimas do negacionismo
Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), forneceu um panorama da situação do Brasil na pandemia. Dalcomo é especialista em tuberculose e doenças respiratórias e está envolvida em inúmeras parcerias internacionais.
De acordo com a médica, o maior inimigo do enfrentamento à pandemia foi o governo. “Desde o início, nós [pesquisadores] não tínhamos tempo para ficarmos perplexos, pois estávamos sempre lutando contra as posições da coordenação central o país”, disse. Segundo Dalcomo, o paradoxo entre a resposta oficial do governo e o discurso médico-científico comprometeu o comportamento social e o entendimento da população sobre a gravidade da doença.
As atitudes e falas do Planalto foram responsáveis por afetar um grupo que teria sido fundamental no combate à COVID-19: a juventude, que vem sendo mais afetada durante esta nova fase da epidemia. Dalcomo completou: “O negacionismo influenciou muito mal a juventude brasileira, impactando na vida e no comportamento.”
Margareth também mencionou a “grande e vergonhosa desigualdade brasileira”. Ela destacou que ainda hoje, boa parte da população mais pobre ainda não compreendeu exatamente o que é a pandemia e não teve acesso a uma boa informação. “Muitas coisas não são acessíveis às camadas mais excluídas da população. Os 19 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, moradores de comunidades, devem ser levados em conta.”
Dalcomo destacou que, neste momento, a comunidade científica está fazendo um esforço muito grande para manter seu compromisso de combater a desinformação vinda de políticos. “Estamos em um período político muito ruim”, afirmou. “Perdemos muitos pontos importantes, uma vez que o governo forneceu informações errôneas e provocou confusão em vários grupos sociais.” A pesquisadora encerrou sua fala afirmando que, no entanto, a cada dia que publica em jornais e concede entrevistas, sua fé no país reacende: “Estamos em uma fase de introdução de um novo comportamento.”
Foco na comunicação científica acessível
O alemão Ralph Hertwig, do Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano, contribuii com o debate com uma abordagem cognitiva. Suas pesquisas têm foco na racionalidade das decisões.
Hertwig afirmou que o comportamento humano mudou muito na pandemia, o que ele considera fascinante. “No estágio inicial, antes das vacinas, todos nós apostamos no comportamento humano. É incrível como fomos capazes de mudar todo o nosso comportamento dentro de um período muito curto. De repente, não podíamos mais ver nossas famílias, ir ao cinema e ainda precisávamos usar máscaras”, comentou, afirmando que, no futuro, administrar os impactos dessas mudanças de comportamento na personalidade dos indivíduos será um desafio para psicólogos e outros cientistas.
Ele mencionou que há uma relação clara entre medo, percepção de risco e comportamento. Para o psicólogo, é essencial que a população confie nas instituições científicas, principalmente quando o governo espalha desinformação. “Por isso, uma boa comunicação é algo muito importante, como a professora Margareth mencionou.” Hertwig citou uma pesquisa recente que provou que a desinformação atuou fortemente em pessoas que realmente queriam ser vacinadas, promovendo receios e incertezas. Após aumento da comunicação científica, o número de pessoas comparecendo aos postos para tomar a vacina aumentou 6.2%.
“Agora é o momento de investir no fluxo de comunicação científica. Pesquisadores devem estudar como construir confiança, pensando em uma base que inclua comunicação, inclusão e o enfrentamento à resistência da população às informações científicas”, concluiu Hertwig.
O caso uruguaio de enfrentamento à COVID-19
Fernando Filgueira, diretor do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), representou o Uruguai no evento. Doutor em sociologia e responsável pela agenda de proteção às populações da UNFPA, Filgueira comentou que existe uma tríade de fatores que fornecem esperança à nossa capacidade de adaptar e mudar, sendo elas:
- mensagem clara e unificada vinda das autoridades, explicando as certezas e as incertezas de um evento pandêmico, de maneira que possa criar cidadãos reflexivos, que não entrem em pânico e consigam pensar;
- relação de confiança na ciência, nos governos, no sistema político e no modelo de política;
- condições sociais requeridas para que as pessoas possam aderir e realmente modificar seu comportamento.
“É impossível manter esses três fatores funcionando ao mesmo tempo”, confirmou o especialista. Ele citou o exemplar controle da pandemia em seu país natal durante o ano de 2020. “A contenção ocorreu principalmente pela comunicação efetiva do governo com a população. A epidemia foi controlada até outubro de 2020, porém, hoje o Uruguai possui o pior caso de enfrentamento à COVID-19 no mundo, concentrando o maior número de mortes ‘per capita’. O governo levou em consideração a liberdade responsável, mas a sociedade foi relutante em manter-se isolada. É impossível mudar o comportamento total quando temos um vírus coexistindo em um espaço onde tudo mais funciona”, disse.
Estímulos vacinais: de mensagens divertidas à loteria
Desde o início da pandemia, a equipe de pesquisa da estadunidense Katherine Milkman, da Universidade da Pensilvânia, direcionou suas energias para descobrir que tipo de comunicações eestímulos seriam mais efetivos para aumentar os índices vacinais no país.
Especialista em broadcast de comportamento humano, as pesquisas de Milkman exploram de quais maneiras podemos mudar o comportamento humano e como mudar o comportamento científico de onde você está para onde você quer ir. Seu grupo de pesquisa se reuniu com mais 120 pesquisadores para estudar formas de incentivar a população a se vacinar.
O contato preliminar consistiu em enviar mensagens para pessoas de diversas faixas etárias para avaliar o comportamento antes da existência de uma vacina e analisar as mudanças em suas reações. As mensagens eram estruturadas de forma divertida e leve, para capturar a atenção do receptor. “Fazíamos paralelos com a gripe, contando que, em ambos os casos, a pessoa tem que tomar a vacina para não contaminar outras pessoas da família. Também tentamos tornar a ida às farmácias [para tomar a vacinas] algo mais descontraído, diferente de ser obrigado a ir em um consultório médico”, explicou a pesquisadora. Os estudos indicaram que a maneira suave de abordagem levou as pessoas a se vacinarem em maior número.
“É muito importante termos esse tipo de mensagem”, apontou Katherine, que também visou promover sensação de pertencimento e valorização do público. Frases como “venha pegar sua dose!” foram muito bem recebidas pelo público.
Outro destaque são as chamadas loterias vacinais, que vêm sendo muito bem recebidas pelo público. Quantias em dinheiro vem sendo sorteadas para promover a imunização em diversos países; caso o sorteado já esteja vacinado, ele fica com o prêmio. No fim de maio, uma jovem de 22 anos ganhou U$S 1 milhão na Vax-a-Million, a loteria vacinal do estado de Ohio, EUA. As loterias tem sido um grande estímulo nos Estados Unidos, na Polônia e mais recentemente teve a adesão do Maranhão, na região Nordeste do Brasil.
Debate e encerramento
Os minutos finais do evento foram dedicados às perguntas e respostas. Os debates se concentraram principalmente nas fake news, nos países com realidades diferentes da dos Estados Unidos (com falta de doses para vacinar toda a população) e no futuro pós-pandêmico.
Margareth Dalcomo reafirmou que é momento de falar sobre ciência e confiar nela; é preciso que haja uma discussão sobre igualdade no acesso às vacinas em um âmbito global. Ela mencionou também o descaso com a população indígena e quilombola no país, desde que o Amazonas tornou-se o epicentro de COVID-19 do país, ainda nos primeiros meses da pandemia. “Não investir nos cuidados a essa população foi um grave erro, que aumentou muito a taxa de mortalidade das populações tribais”, confirmou a médica. Questionada sobre como o país está lidando com as fake news, ela afirmou que a população vêm sendo vitimizada, principalmente pelo fato de grande parte dessas notícias serem disparadas por políticos em suas mídias sociais. A CPI da COVID, instalada no Senado Federal em 27 de abril, é a esperança de Dalcomo de uma “clarificação” à população brasileira. A médica deixou uma mensagem de esperança para os brasileiros: “Confiem e lutem pelas vacinas, não levem a saúde econômica tão a sério. Levem a sério as políticas públicas referentes a saúde.”