Confira a coluna de Alicia Kowaltowski, membro titular da ABC, publicada no Nexo Jornal em 16/6. No texto, a Acadêmica fala sobre as opiniões distópicas e minoritárias que vêm ganhando voz durante o governo Bolsonaro.

 

No distópico Brasil da pandemia, as opiniões minoritárias ganharam voz não apenas por meio das mídias sociais, mas também pelo apoio e pela difusão de grupos bolsonaristas organizadoso e pela difusão de grupos bolsonaristas organizados.

 

O senador Eduardo Girão ganhou atenção nas mídias sociais ao afirmar recentemente que a CPI da pandemia “precisa ouvir cientistas que são a favor e também os que são contra a ciência”. A fala viralizou entre meus colegas, pelo óbvio absurdo de se sugerir que existem “cientistas contra a ciência”.

É minimamente estranho exigir que se procure cientistas que são contrários à ciência para demonstrar abertura a debates em discussões científicas, assim como seria bizarro pedir que se encontre agrônomos contra a agricultura, ou médicos contra a medicina. Mas, numa inversão de valores que caracteriza a gestão, é exatamente isso que aparenta ter sido o foco do governo federal. Esta administração indica ministros da Educação sem educação, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que é excludente dos direitos de muitas famílias e humanos, e ministro do Meio Ambiente focado na destruição de nosso patrimônio natural. Não se limita a ter ministros da Saúde cujo maior qualificador é se dobrar aos desejos e mandos da presidência, enquanto ignoram a saúde. Vai além, criando um ministério paralelo para garantir melhor aderência à estratégia inconsequente de se manter uma pandemia sob total descontrole.

Se olharmos os integrantes e consultores do tal ministério paralelo, perceberemos que alguns se parecem bastante com cientistas. Possuem posições acadêmicas, até mesmo em instituições de renome, como aquela em que eu atuo. Publicam trabalhos acadêmicos, e têm títulos compatíveis com o rótulo de cientista. Em minha definição do termo, não o são, pois não respeitam o método científico, baseado em evidências, testagem de hipóteses, consensos e adaptação sempre que surgem melhores evidências. Mas entenderia perfeitamente se uma pessoa sem conhecimento específico da área se convencesse com esses históricos, e assim acreditasse nas suas afirmações anticientíficas. É aqui que seria importante o papel das instituições, que em teoria congregam as opiniões dos grupos que representam e apresentam o melhor conhecimento conjunto do momento. Infelizmente, no Brasil da pandemia, as instituições nos falharam completamente. O Ministério da Saúde é domado pelo presidente, e ainda subjugado pela assessoria paralela, enquanto o Conselho Federal de Medicina, lastimavelmente, atua de forma hipócrita e nada hipocrática.

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No Brasil da pandemia, as opiniões minoritárias distopicamente ganharam voz não somente pelos caminhos informais das mídias sociais, mas também apoio e difusão por meio de grupos bolsonaristas organizados. O Brasil da pandemia procurou os raros anticientistas com credenciais aparentemente científicas e amplificou sua voz, de modo que as ações coletivas do governo federal foram exatamente o contrário do que é internacionalmente e cientificamente recomendado.

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Se o presidente causa e participa de aglomerações, denuncie-as, e mantenha-se isolado. Se o presidente diz que cloroquina, ivermectina ou sei lá qual vitamina cura COVID-19, não tome, e não permita que ninguém faça uso de medicamentos comprovadamente ineficazes. Se apoiadores do presidente mandam informações por mídias sociais, ignore e leia veículos jornalísticos de respeito como fonte de informação. Se o presidente quer um “estudo” para liberar as pessoas vacinadas ou que já adoeceram de usar máscaras, continue usando máscaras e faça questão de cobrar o uso correto dos outros. Se o presidente questiona a segurança de vacinas e se recusa a vacinar, vacine-se assim que chegar a sua vez, com a vacina que estiver disponível no posto. Seja o anti-Bolsonaro.

Façamos nosso dever conjunto de demonstrar que somos a maioria e que respeitamos o melhor conhecimento coletivo que a ciência moderna permitiu adquirir, além da memória de meio milhão de brasileiros mortos por incompetência e malevolência de liderança. Ser pró-Bolsonaro é perpetuar a distopia e o sofrimento da pandemia. Não caia nesta toca de coelho!

Leia a coluna completa.