Cesar Gomes Victora, professor, epidemiologista e Membro Titular da ABC, em entrevista com a coluna de Cristiane Segatto, discorre sobre a falta de vacinas, o risco das novas variantes e falhas do governo atual no combate à pandemia do COVID-19. Confira.
O Brasil apostou no pior caminho e segue errando no enfrentamento da pandemia?
O principal erro é o negacionismo expresso muito bem pelo presidente da República. Achavam que não ia ser uma epidemia grande. Em 40 anos de epidemiologia aprendi a nunca me atrever a prever quantas mortes haverá em uma epidemia. Um agente infeccioso novo como o Sars-CoV-2 poderia tanto ficar restrito a poucos lugares, como se espalhar rapidamente. Existem alguns modelos preditivos que podem ser úteis, mas nunca dá para apostar nada. O negacionismo fez com que o Brasil não tentasse conter a epidemia no começo.
Por que a testagem no início da pandemia era tão importante?
No início, é possível testar infectados e contatos e conter a disseminação do vírus. Depois que a epidemia está disseminada, não há serviço de saúde que dê conta disso. É muita gente infectada. Testar é bom para o indivíduo porque ele fica sabendo que pegou o vírus. Para a população, testar casos agudos é mais útil no começo e no final da pandemia. O que funciona melhor durante a pandemia é o que estamos fazendo no estudo Epicovid-19 aqui no Rio Grande do Sul.
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Entidades internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras, vêm se empenhando para ajudar no envio de vacinas ao Brasil?
Penso que estão fazendo o possível. Há uma dificuldade no suprimento de vacinas. A Índia está mandando menos insumo farmacêutico ativo (IFA) ao Brasil porque está com uma crise enorme. Claro, qual país não iria privilegiar sua própria população? A situação mundial das vacinas é um reflexo da desigualdade global. Sobra vacina nos EUA, na Inglaterra, no Canadá. Muitos países têm mais vacinas do que precisam enquanto falta em outros. Esse desequilíbrio global é acirrado pelo nosso governo federal. A Índia recebeu muito mais apoio internacional do que o Brasil. Ninguém tem vontade de ajudar um país que não quer se ajudar. Nosso país virou um pária.
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Viramos uma ameaça global?
Em um lugar como o Brasil, onde algumas pessoas estão imunizadas e outras não e ninguém pratica o distanciamento social como deveria ser, a variante encontra as condições ideais até para fazer o escape vacinal. Isso é importante: as variantes que existem até agora, com poucas exceções, não escaparam das vacinas. Elas são menos suscetíveis às vacinas, mas as vacinas têm efeito. A variante da África do Sul escapou da vacina Oxford/AstraZeneca, mas em outros lugares elas não escaparam ainda. Viramos uma ameaça global.