Confira a reportagem publicada no Estadão no dia 7/6, denunciando os impactos do contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) nas pesquisas brasileiras, especialmente nas associadas ao COVID-19. A membro titular da ABC Mayana Zatz, geneticista e professora da Universidade de São Paulo (USP), teve sua pesquisa impactada diretamente pelo congelamento da verba. 

Ao sancionar o Orçamento de 2021, em abril, o presidente Jair Bolsonaro desrespeitou uma lei aprovada semanas antes pelo Congresso e retirou R$ 5 bilhões que deveriam estar sendo usados hoje para financiar a ciência e a tecnologia no Brasil, incluindo pesquisas sobre a COVID-19. O dinheiro está atualmente na “reserva de contingência” — isto é, guardado para ajudar o governo a atingir a meta de resultado primário. O Ministério da Economia admitiu ao Estadãoque o dinheiro está contingenciado e a verba será liberada, mas não deu prazo.

Mesmo com a liberação do dinheiro retido, o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) será o menor dos últimos cinco anos, em valores corrigidos. A pasta terá à disposição pouco mais de R$ 12 milhões. As informações foram compiladas pela ONG Contas Abertas e confirmadas pela reportagem. Na ponta, a falta de dinheiro significa que diversos projetos de pesquisa, inclusive sobre a COVID-19, ficaram sem financiamento.

A verba retida é do Fundo de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (FNDCT), uma reserva criada para financiar projetos de pesquisa. Nos últimos anos e ao longo de diferentes governos, esse fundo viu a maior parte de seus recursos serem alocados na “reserva de contingência”. Em julho passado, várias entidades da área se juntaram numa campanha para mudar a situação. O movimento resultou na aprovação de uma lei complementar que proibiu o Executivo de colocar dinheiro na “reserva de contingência”, a Lei Complementar 177. Quase um mês depois, porém, Bolsonaro ignorou a nova lei e sancionou o Orçamento com os R$ 5 bilhões retidos.

O presidente até tentou evitar a obrigação do financiamento de pesquisas: vetou o artigo da nova lei que impedia a alocação do dinheiro na reserva. O veto, porém, foi derrubado pelo Congresso em 17 de março. Foram 457 votos na Câmara e 72 no Senado, e a nova legislação foi promulgada em 26 de março. Ao sancionar o Orçamento em 22 de abril com o dinheiro retido, Bolsonaro cometeu uma ilegalidade, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão.

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Enquanto os ministros Paulo Guedes (Economia) e Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) decidem como liberar o dinheiro, pesquisadores sofrem com a falta de recursos. A restrição financeira impede projetos de irem adiante; dificulta a formação de novos cientistas; e desestimula aqueles que pretendem seguir carreira científica, segundo pesquisadores.

A geneticista Mayana Zatz é uma das principais cientistas em sua área no país, com vários prêmios nacionais e internacionais e centenas de artigos publicados em revistas científicas estrangeiras. Ela conta como a falta de recursos para a ciência e a tecnologia afeta até pesquisas sobre a COVID-19. “Nós tínhamos um projeto enorme, aprovado desde o ano passado, para entender melhor a parte genômica das pessoas infectadas pela doença, e o dinheiro não foi liberado”, diz ela. O objetivo da pesquisa era entender como a COVID-19 altera a expressão de certos genes nos doentes, o que poderia ajudar inclusive em possíveis tratamentos.

O projeto foi encomendado pelo Ministério da Saúde e seria financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – mais de dois terços dos recursos do CNPq vêm do FNDCT. Três centros de pesquisa seriam mobilizados pelo projeto, que acabou não saindo do papel. “É de alto interesse. Não estávamos querendo estudar a cor da asa da borboleta”, diz Mayana Zatz.

A dotação inicial total do Ministério da Ciência e Tecnologia como um todo é de R$ 12,37 milhões em 2021, sem considerar bloqueios. Em valores corrigidos pela inflação, é o menor montante desde 2016, quando a verba foi de R$ 12,27 milhões. Com exceção de 2016, é o pior orçamento desde pelo menos 2008, segundo levantamento elaborado pela ONG Contas Abertas. Além dos R$ 5 bilhões da reserva de contingência do fundo, o Ministério teve R$ 373 milhões congelados – isto é, recursos que estão retidos no momento, mas que podem ser liberados ao longo do ano por decisão do Ministério da Economia.

 

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