Confira a entrevista com a membro afiliada da ABC Angélica Vieira, publicada no blog Ciência Fundamental, da Folha, no dia 25/5. Na matéria, a jornalista Clarice Cudischevitch conversa com a Acadêmica sobre seu objeto de pesquisa, as superbactérias e seus altos índices de resistência no organismo humano. Angélica Vieira é professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UMFG).  

Quando entrou na graduação em biologia em 2002, em Belo Horizonte, Angélica Vieira descobriu que a UFMG tinha laboratórios de pesquisa. Ela estudava em uma faculdade privada para trabalhar durante o dia e ajudar em casa, pois perdeu o pai muito cedo, e decidiu bater de porta em porta: queria fazer iniciação científica na federal, mesmo sem estudar lá. O prof. Mauro Teixeira [vice-presidente da ABC para a Região Minas Gerais e Centro-Oeste], do Laboratório de Imunofarmacologia, acolheu a futura cientista, que enveredou pelo universo da microbiota, assunto de seu mestrado e doutorado.

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No laboratório em que Vieira fez iniciação científica, o grupo tinha interesse em entender o papel das bactérias intestinais em processos inflamatórios. Era o único do Brasil que dispunha de animais gnotobióticos, ou seja, isentos de microrganismos: os camundongos criados lá nasciam por cesárea (a microbiota só se desenvolve após o nascimento), viviam isolados numa bolha e consumiam comida e água estéreis, o que impede a contaminação microbiana.

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“Na época nem existiam técnicas de sequenciamento de DNA, mas começamos a explorar esse campo”, conta a bióloga. Surgiu a oportunidade de trabalhar com um grupo no Garvan Medical Research, na Austrália, que identificou nas células do sistema imune um receptor ativado por metabólitos produzidos pela microbiota. A atuação desses microrganismos em processos inflamatórios começava, assim, a se delinear. Vieira sonhava ir para fora do país, mas não sabia falar inglês. Decidiu se virar e seguiu para um doutorado sanduíche.

O trabalho com o grupo australiano foi publicado na “Nature” em 2009, quando surgia o boom para entender mais a fundo a microbiota. O que se observou foi que, em indivíduos saudáveis, as bactérias benéficas são predominantes, enquanto nos doentes elas estão reduzidas. Isso sugere que, nesses casos, os tais metabólitos –produtos do metabolismo– também estão reduzidos e não são ativados.

Angélica Vieira investiga hoje um potencial bem mais destrutivo desse desequilíbrio: o desenvolvimento quase implacável das superbactérias, aquelas blindadas a todos antibióticos. A ONU estima que infecções resistentes a drogas possam causar 10 milhões de mortes por ano até 2050, e há quem sustente que elas serão a próxima pandemia. A cientista, aliás, acredita que a Covid-19 vai acelerar a multiplicação das superbactérias, uma vez que muita gente vem usando antibióticos e outros medicamentos de forma descontrolada na tentativa de combater o coronavírus.

A principal causa do surgimento e propagação das superbactérias é, justamente, o uso indevido e desenfreado de antibióticos, cuja produção de novas classes está estagnada há vinte anos. Mas o palpite de Vieira é que a microbiota poderia atuar como importante reservatório de múltiplos genes de resistência. Bactérias são organismos com enorme habilidade em transferir genes a outras bactérias, entre eles genes de resistência a antibióticos.

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Ela vem estudando uma superbactéria específica, Klebsiella pneumoniae, que já causou surto de pneumonia no Brasil. “A Klebsiella dissemina genes de resistência com extrema facilidade e não existe qualquer antibiótico eficaz contra ela.” Parte dessa dificuldade em combatê-la talvez se deva à sua presença natural em nossa microbiota que, se não estiver em equilíbrio, pode favorecer a multiplicação da superbactéria.

Vieira, que na iniciação científica trabalhou dois anos como voluntária porque não havia bolsa disponível, hoje coordena o Laboratório de Microbiota e Imunomodulação no Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG. “Nunca tive dúvidas de que queria ser cientista, embora eu, criada na roça, não tivesse noção de como isso poderia acontecer”, conta a mineira de Gororós, distrito com cerca de quinhentos habitantes, hoje mãe de Estela e Rafael.

Confira a matéria completa no blog Ciência Fundamental.