Os participantes do webinário: em destaque, o acadêmico Wuelton Monteiro; na lateral, de cima para baixo: Maria Teresa Piedade, Adalberto Val, Ima Vieira, Ana Luisa Albernaz, José Maria Silva e Carlos Joly.

 

O webinário “Amazônia numa encruzilhada: o que esperar da COP-15?” reuniu especialistas no dia 28 de abril para debater quais serão os principais tópicos sobre a conservação da Amazônia a serem abordados na 15ª Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica (COP15) – prevista para ocorrer em outubro, na China.

O evento organizado pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) e pela Coalizão Ciência e Sociedade contou com o apoio do Programa Biota/Fapesp e da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS). A mediação ficou por conta do vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) para a Região Norte Adalberto Val (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, INPA) e de Ima Vieira (Museu Paraense Emilio Goeldi, MPEG). Os Acadêmicos Carlos JolyMaria Teresa Piedade e Wuelton Marcelo Monteiro também foram destaque entre os palestrantes.

Os professores Carlos Joly e Adalberto Val iniciaram o webinário, destacando os objetivos centrais do encontro. Joly ressaltou que a COP15 terá uma importância particular este ano, pois, neste momento, os países terão que relatar quanto das metas adotadas em 2010 foram cumpridas e, principalmente, qual será o Plano Estratégico de Biodiversidade da próxima década e uma visão do que se espera até 2050. “É de suma importância que consigamos um plano promissor, que tenha metas realistas, mas ao mesmo tempo ousadas. Estamos em um momento crítico de tentar evitar a perda de uma grande parte da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos que essa biodiversidade traz para a sociedade”, defendeu o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador da BPBES.

O que sabemos sobre a biodiversidade da Amazônia?

O biólogo José Maria Silva (Universidade de Miami) explicou o porquê de a Amazônia ser considerada a maior floresta do mundo: a região abriga hoje cerca de 3.6% das espécies de plantas e 13% das espécies de aves do mundo, em um território que representa 2.8% da área total do planeta. No entanto, ainda é difícil informar com precisão “quantas Amazônias” estão incluídas nessa área atualmente, uma vez que é preciso entender a distribuição das espécies para identificar quantas subáreas estão contidos no bioma. “A multiplicidade amazônica é conectada por processos ecológicos e evolutivos que operam na escala regional, como migrações e dispersão das espécies”, esclareceu Silva. 

Para o pesquisador, as estratégias de conservação da biodiversidade amazônica devem ir muito além das campanhas de desmatamento zero. “A meta é 100% de conservação: primeiro, porque a gente não tem conhecimento completo do território. Segundo, porque 86% da Amazônia, a área verde, pertence ao povo brasileiro, então, tem que ser mantida como patrimônio público”, justificou. Silva argumentou que essa não é uma tarefa árdua: “Conservação de áreas verdes e de terras indígenas são as palavras-chave. Simples, muito fácil. O Brasil já possui uma das melhores e mais modernas legislações do mundo para isso.” Ele também listou a criação de unidades de conservação de terras indígenas em áreas públicas não designadas e a transformação de todas as reservas legais e áreas de proteção permanente em Reservas Particular do Patrimônio Natural (RPPNs) como ações fundamentais. Ainda de acordo com José Silva, seria necessário pelo menos U$S 1.9 bilhão de dólares por ano para preservar a Amazônia. A verba deveria vir de fundos públicos, cooperação internacional e investimentos do setor privado. “É extremamente barato, considerando o que o mundo investe hoje”, afirmou.

Integridade dos sistemas aquáticos amazônicos

A pesquisadora do Inpa Maria Teresa Piedade concentrou sua fala nas questões associadas aos sistemas hídricos da região. O crescimento populacional é uma realidade que acabou transformando a água em um bem precioso: um relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) apresentado pela Acadêmica mostrou que, no final de 2020, cerca de 3 bilhões de pessoas conviviam com altos níveis de escassez hídrica. Os recursos de água doce vêm diminuindo não apenas por conta do aumento da população, mas também por conta do manejo inadequado e do desperdício. 

Cerca de 30% da Bacia Amazônica se enquadra nos critérios internacionais de definição de áreas úmidas (cerca de 20% da água doce do mundo) – o que inclui várzeas, igapós e pequenos riachos. As áreas alagáveis ao longo dos grandes rios são florestadas, com espécies arbóreas capazes de tolerar inundações. A manutenção dos ciclos hidrológicos depende dessa vegetação.

Entre os principais serviços ecossistêmicos proporcionados pelas áreas úmidas estão a redução dos riscos de inundações naturais e purificação das águas subterrâneas, geração de biodiversidade e estoque de água própria para consumo por humanos e animais. As consequências do desgaste dos ecossistemas amazônicos já vêm sendo expostos há pelo menos 60 anos, com o aumento gradual das inundações e das cheias mais intensas. Atualmente, apenas 23% dos rios do mundo fluem livremente, boa parte deles concentrados na região amazônica – o número pode se tornar ainda menor diante da exploração indevida dos recursos naturais, da poluição desenfreada e da construção de hidrelétricas na região. Conter a degradação dessas áreas, segundo Piedade, é fundamental. 

Para a pesquisadora, o caminho para mudar o futuro começa pela educação. “É necessário que haja interlocução entre os tomadores de decisões, a comunidade científica e a sociedade em geral para a criação de políticas públicas inclusivas e de educação em todos os níveis”, defendeu Piedade. 

A nossa biodiversidade dentro da Amazônia

Wuelton Monteiro (Universidade do Estado do Amazonas, UEA) falou sobre as doenças tropicais negligenciadas ((DTN), que incluem dengue, tuberculose, leishmaniose tegumentar e visceral, esquistossomose e doença de Chagas. Tais doenças são causadas por agentes infecciosos ou parasitas e são consideradas endêmicas em populações de baixa renda – um exemplo disso é o surto de COVID-19 no estado do Amazonas no último ano. Um estudo publicado em 2020 mostrou que há uma associação entre as DTN e os dados de crescimento populacional e saneamento básico, os quais podem evidenciar uma negligência geográfica.

De acordo com a OMS, cerca de um bilhão de pessoas carregam mais de um patógeno de DTN, que podem ser fungos, bactérias ou outros agentes. Monteiro explicou o conceito de sindemia: duas doenças ou uma condição social e uma condição de saúde que emergem juntas. Entre os exemplos, podem ser citados o desenvolvimento de aspergillus pelos infectados por COVID-19; de pneumonia bacteriana por pessoas que contraíram doenças virais; ou o desenvolvimento de hepatite B, que só ocorre com quem teve hepatite D anteriormente.

O epidemiologista também abordou a origem do Sars-Cov-2, que se encaixa como um betacoronavírus, comum em seres humanos, morcegos, mamíferos e ouriços. Os coronavírus podem ainda ser divididos em alfacoronavírus (comuns em em mamíferos), deltacoronavírus e gamacoronavírus (os dois últimos mais comuns em aves). Ele atribui as complicações na saúde humana causadas pela doença ao contato tardio com esse tipo de vírus, o que acabou levando a uma dificuldade na adaptação que outros seres vivos não tiveram.

Os pontos críticos do sistema de ciência e tecnologia na Amazônia

Ana Luisa Albernaz, diretora do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), destacou a importância de investir em pesquisa na região Norte, além de viabilizar a instalação de pesquisadores na Amazônia – o que certamente facilitaria os estudos de longo prazo na região. Atualmente, cerca de 7,3% dos pesquisadores do país se concentram na região Norte, que abriga apenas 6% dos cursos de pós-graduação. Essa defasagem impacta diretamente nos estudos das especificidades em biodiversidade e serviços ecossistêmicos na floresta Amazônica: ainda há muitas espécies e padrões de distribuição pouco conhecidos, além de poucos estudos de longo prazo dedicados ao ciclo de vida das espécies e às consequências das alterações ambientais. Ampliar a comunidade científica no local é a prioridade levantada pela pesquisadora.

Albernaz chamou atenção para a diminuição no número de projetos e programas do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) na Amazônia desde 2018 até os dias atuais. O mapa do Plano Amazônia para 2021-2022 inclui propostas que não levaram em consideração as informações disponibilizadas e compiladas por grupos de pesquisa nos últimos anos, como o Mapa de Áreas Prioritárias publicado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2018. “As informações não são bem aproveitadas pelas políticas públicas. A Amazônia deveria ser tratada como uma área estratégica pelo país, porque a preservação dela é estratégica pelo planeta”, defendeu a pesquisadora, uma vez que a região não é mais categorizada como estratégica pelo Ministério de Ciência e Tecnologia desde 2013.  “É importante para nós pela diversidade sociocultural, e para o mundo todo pela questão da água, da biodiversidade e do clima.”

Siga a ABC para mais debates sobre questões relevantes sobre os principais biomas brasileiros

O webinário chegou ao fim com uma breve sessão de perguntas e respostas. As principais dúvidas dos espectadores geraram em torno de quais acordos internacionais podem ser realizados para conservar a Amazônia, quais os investimentos deveriam ser feitos pelo estado e quais ações e tópicos de discussão são prioritários para educar e conscientizar a população sobre o assunto.

Se você gostou da temática desse encontro, então, prepare-se: acontecerão outros similares em breve! O professor Carlos Joly informou que esse é o segundo de uma série de webinários que irão discutir as questões mais relevantes sobre os principais biomas brasileiros a serem abordados na COP15. O próximo acontecerá no dia 19 de maio com foco na restauração dos nossos biomas. Fique atento às redes sociais da ABC e da BPBES para saber as próximas datas!