Leia matéria de Herton Escobar para o Jornal da USP, publicada em 22/1:
O negacionismo científico e obscurantismo intelectual do governo federal tiveram ao menos um efeito colateral positivo: um despertar da comunidade científica para a importância da comunicação com a sociedade. É notável o aumento da participação de pesquisadores, médicos e acadêmicos na divulgação da ciência e no combate às fake news no decorrer da pandemia, tanto pelos meios tradicionais de comunicação (servindo como fontes de informações confiáveis para a imprensa, por exemplo), quanto por iniciativas pessoais nas redes sociais.
A negligência no combate à pandemia, a negação das vacinas e a insistência na promoção de tratamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19 suscitaram um verdadeiro levante de pesquisadores e entidades científicas contra a praga da desinformação que se alastra com consequências cada vez mais nefastas pelas mídias digitais. Na ausência de uma campanha oficial de esclarecimento e incentivo à vacinação por parte das autoridades, diversas universidades, organizações e entidades médico-científicos lançaram campanhas próprias sobre o tema nesta semana — num embate semelhante ao que já vem sendo travado desde 2019 na área ambiental, frente à negação sistemática de dados científicos sobre desmatamento e queimadas por parte do governo federal.
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A maior parte desse esforço está direcionado para as redes sociais, que é por onde transita a maior parte das mentiras, distorções e teorias conspiratórias em geral. Assim como já fazem os políticos, cada vez mais pesquisadores estão aprendendo a usar essas plataformas como um canal direto de comunicação com a sociedade, aproveitando-se do dinamismo e da capilaridade delas para desfazer mitos e disseminar informações de qualidade para a população, em sincronia com o noticiário.
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Ter muitos seguidores nas redes sociais é um indicador importante da capacidade de um cientista influenciar o debate público sobre temas científicos, mas não o único. A colaboração com a imprensa é outra via importante, que vem sendo bastante utilizada; e às vezes nem é preciso aparecer tanto. O biólogo Helder Nakaya (membro afiliado da ABC 2017-2021], da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, por exemplo, gastou uma manhã de trabalho em dezembro para produzir o vídeo a seguir, de três minutos, sobre o que significa o “consenso científico”. A motivação: repetidas mensagens de parentes no grupo de WhatsApp da família questionando a segurança das vacinas e defendendo o “tratamento precoce” defendido pelo governo federal, com base em alegações sem fundamento feitas por uma minoria de cientistas negacionistas. “Não é porque alguém é médico ou tem um título de doutorado que tudo que ele fala está certo”, diz Nakaya.
O vídeo não tem tantas visualizações no YouTube (2,3 mil), mas viralizou no WhatApp e outras plataformas. “Fiquei muito feliz de ver as pessoas repassando o vídeo para responder às fake news”, comemora Nakaya.
Quando o governo estadual paulista ameaçou tirar recursos das universidades e da Fapesp no ano passado, também, vários pesquisadores se engajaram numa campanha virtual em defesa dessas instituições, gravando depoimentos, compartilhando notícias, dialogando com parlamentares e escrevendo artigos na imprensa para alertar a população sobre o papel fundamental que a ciência (financiada pela Fapesp e produzida pelas universidades) tem no desenvolvimento econômico, social e ambiental do Estado. As propostas de corte, no fim das contas, foram revertidas.
“Foi um esforço que nasceu por questão de sobrevivência”, diz a professora Alicia Kowaltowski, do Instituto de Química da USP, que ajudou a organizar o movimento e publicou vários artigos sobre o tema na imprensa. Desde 2019 ela é colunista do jornal digital Nexo, onde escreve sobre ciência (por prazer) e política científica (por obrigação). “Se não fizermos isso não vai ter mais ciência no Brasil e a gente não vai ter futuro para o País.”
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