Leia o artigo de Breiller Pires para o jornal El País, publicado em 30/12/2020:

Boletim epidemiológico, carga viral, curva de infectados, média móvel, imunidade de rebanho, cobertura vacinal… Por causa da pandemia de coronavírus, termos técnicos, geralmente restritos ao universo dos infectologistas, passaram a fazer parte do cotidiano de milhões de brasileiros. A ciência nunca esteve tão em evidência como agora, mas, por outro lado, jamais havia sido tão esnobada por governantes e uma parcela da população que preferem relativizar a gravidade da crise sanitária mundial.

Enquanto a vacina demora a se tornar uma realidade no Brasil, acadêmicos e cientistas viram o ano apreensivos com o futuro das pesquisas e a perspectiva de redução de investimentos em trabalhos científicos nas universidades públicas. Pela previsão orçamentária do Governo Federal para 2021, aprovada este mês no Congresso, somente o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) perderá 34% de sua verba anual. Em 2020, a pasta dispôs de 3,6 bilhões de reais para gastos. No próximo ano, caso o presidente Jair Bolsonaro sancione a proposta de orçamento nos moldes atuais, o montante cairá para 2,7 bilhões de reais, menos de um terço do valor disponibilizado uma década atrás.

O CNPq vai amargar redução de 8,3% em seus recursos, contando, por exemplo, com apenas 22 milhões de reais para fomento à pesquisa, o que representa 18% do valor destinado em 2019. Já a Capes perde 1,2 bilhões em comparação aos 4,2 bilhões de reais que dispunha no primeiro ano do Governo Bolsonaro. A situação mais dramática se desenha no FNDCT, que sofrerá um corte de 4,8 bilhões de reais em 2021. Em todos os casos, boa parte dos recursos está condicionada ao cumprimento da meta fiscal e depende de aprovação de orçamento suplementar ao longo do ano. “Isso demonstra claramente um cenário de quase paralisação do setor de Ciência, Tecnologia e Inovação caso o orçamento do FNDCT para o ano que vem se concretize”, manifestou em carta enviada ao Congresso um grupo formado por entidades como a Academia Brasileira de Ciências, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif).

Uma das exigências do grupo era a aprovação do projeto de lei que proíbe o bloqueio de recursos do FNDCT, que passou pelo crivo do Congresso no último dia 17. “Agora, além do dinheiro ficar disponível para pesquisas e projetos, os recursos poderão ser aplicados em fundos de investimentos, gerando mais capital para o setor da ciência”, afirmou o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), presidente da Frente Parlamentar de Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação e autor da proposta, que depende da sanção de Bolsonaro. Se não for vetado, o projeto pode desbloquear até 9 bilhões de reais para a ciência em 2021.

Doria também faz corte em São Paulo

Posicionado como principal antagonista de Bolsonaro na pandemia, João Doria relembra os tempos da aliança “BolsoDoria” ao cortar 30% do orçamento da Fapesp, fundação que financia bolsas e investe em pesquisas científicas no Estado de São Paulo, incluindo a maior parte das atividades de produção de vacinas no Instituto Butantan. O governador tirou 454 milhões dos 1,5 bilhão de reais anteriormente previstos para a entidade, de acordo com a Lei Orçamentária Anual aprovada pela Assembleia Legislativa.

Apesar do arranjo, cientistas e pesquisadores interpretam a desvinculação de 30% da receita da Fapesp como um retrocesso, já que, assim como no caso dos recursos condicionados a orçamento complementar do Governo Federal, os trabalhos científicos desenvolvidos em São Paulo podem se tornar reféns das canetadas do poder executivo. “A autonomia da Fapesp é garantida pela Constituição estadual e não poderia ser atropelada pelo projeto de lei do orçamento”, explica o professor emérito da USP, Hernan Chaimovich, ex-presidente do CNPq [e membro titular da ABC]. “[A recomposição por decretos] acaba com a independência da Fapesp, já que a cada ano a fundação teria de negociar um adicional com o Governo.”

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