Em 26 de junho de 2000, uma das maiores realizações da ciência anunciou o rascunho completo do genoma humano,  resultado de enorme esforço científico para identificar, mapear e anotar todos os genes humanos. Agora, um projeto igualmente gigantesco e ambicioso e menos conhecido para mapear os produtos gênicos – as proteínas – está próximo de seu término. Sendo o equivalente do genoma, o proteoma é o conjunto da imensa variedade das proteínas de um organismo, incluindo suas quantidades, localizações e modificações pós-traducionais.

Gilberto Domont e Fabio Nogueira

Em comemoração ao 10o aniversário do Projeto Proteoma Humano (HPP, na sigla em inglês),  foi recém-publicado em artigo na prestigiosa revista Nature Communications o rascunho de mais de 90% do Proteoma Humano, “A High-stringency Blueprint of the Human Proteome”.  São coautores, junto com seus colegas internacionais, o professor Fabio C. S. Nogueira e o Acadêmico Gilberto B. Domont, ambos da Unidade Proteômica do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), único laboratório latino-americano participante e fundador do projeto responsável pelo mapeamento das proteínas humanas. Eles contam com o apoio da Faperj, da Capes e do CNPq.

As proteínas

As proteínas são os principais atores de todos os processos biológicos nos seres humanos, são “os verbos” da biologia. Identificá-las e caracterizá-las têm um enorme impacto na compreensão da saúde e da doença. Os genes são “gerentes de projetos” moldados pela evolução e, como tais, fazem muito pouco trabalho; o trabalho pesado é realizado pelas proteínas, que exercem as funções necessárias para a vida.

Imperfeições nas funções de determinadas proteínas surgem espontaneamente através de mutações gênicas, que levam a doenças genéticas, ou outras que se manifestam em respostas estranhas e inadequadas do sistema imune ou celular. O conhecimento destas proteínas-chave para a proteção às doenças – as marcadoras de doenças -, podem trazer informações relevantes para medicina individualizada e o tratamento específico.

Assim, as consequências deste trabalho têm muito impacto, pois a elucidação do proteoma humano permite a melhor compreensão dos processos associados à biologia humana, na saúde e nas doenças.  O HPP também contribui de forma fundamental para compreendermos, por exemplo, doenças genéticas e infecções patogênicas, ao mesmo tempo em que propõe novos biomarcadores proteicos para diagnóstico, prognóstico e terapêutica.

A HUPO

O trabalho sobre o proteoma humano gerenciado pela Organização do Proteoma Humano  (HUPO, na sigla em inglês) acontece em duas frentes, que interagem. A primeira é o Chromosome-centric Human Proteome Project (C-HPP), que mapeia o proteoma humano, e o segundo é o Biology/Disease-driven Human Proteome Project (B/D-HPP), que tem como objetivo melhorar e expandir nossa compreensão do proteoma humano com foco na pesquisa biológica e nas doenças.

O HPP teve início em 2010, dando prosseguimento a uma ideia proposta em 1981, quando somente 1 ou 2 % das proteínas humanas eram conhecidas. Naquele momento, ainda não existiam técnicas e tecnologias computacionais para estudá-las em alto rendimento. Atualmente, a HUPO aceita a existência de 19.773 genes humanos, a identificação com pequena probabilidade de erro de 17.874 proteínas ou 90,4% do proteoma total, e de 1.899 proteínas ainda não identificadas (missing proteins).

No meio de uma pandemia, quando a ciência que salva milhões de vidas é vilipendiada, esta publicação é algo que podemos comemorar.