Leia artigo das Acadêmicas Daiana Silva de Ávila, farmacêutica bioquímica da Universidade Federal do Pampa, e Manuella Pinto Kaster, neurocientista da Universidade Federal de Santa Catarina, para as Notícias da ABC:

Em meio a um cenário mundial que nos mostra cada vez mais a relevância da ciência, os primeiros dias do mês de outubro trouxeram a feliz notícia de três mulheres agraciadas com o prêmio Nobel nas áreas da química e física.

A francesa Emmanuelle Charpentier e a norte-americana Jennifer Doudna compartilharam o Nobel de química por seu trabalho revolucionário que desenvolveu uma poderosa ferramenta de edição gênica. A descoberta tem um impacto revolucionário nas ciências da vida, uma vez que torna possível desenvolver terapias contra doenças com forte fator genético como câncer e doenças neurodegenerativas. Na química, esta foi a primeira vez que o prêmio foi concedido a um time composto inteiramente por mulheres, sendo Charpentier e Doudna a sexta e sétima mulheres a receber o Nobel na área desde o ano de 1901 e 186 contemplados.

Na física, a astrônoma norte-americana Andrea Ghez compartilhou o prêmio com Roger Penrose e Reinhard Genzel por seu trabalho com buracos negros. Ghez é quarta mulher a receber o Nobel de física desde Marie Curie em 1903 e em meio 216 prêmios concedidos. Em seus estudos, Ghez mapeou órbitas de estrelas muito brilhantes no centro da Via Lactea e detectou um objeto compacto supermassivo que atraía um aglomerado de estrelas, evidências convincentes da presença de um buraco negro na nossa galáxia.

Não há outro prêmio com tanta visibilidade e prestígio na esfera intelectual como o Prêmio Nobel. Nas áreas da ciência, como a medicina, física e química o prêmio tem um carácter ainda mais fundamental, e as descobertas agraciadas não só geram progresso e desenvolvimento, mas também explicam mecanismos e fenômenos que regem a natureza.  O Nobel deveria representar o ápice de um trabalho bem construído e de um legado capaz impactar as mais diversas áreas do conhecimento. Contudo, os números ainda bastante desiguais demonstram que precisamos de mais representatividade. Até hoje apenas 57 mulheres foram agraciadas em meio a mais de 900 prêmios concedidos.

Essas desigualdades na STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática) se devem a fatores que surgem desde a infância. Os brinquedos “para meninas” focam no cuidado da beleza, da família e dos filhos, enquanto que os brinquedos “para meninos” estimulam a criatividade. Estudos demonstraram que aos seis anos as meninas já acreditam que os meninos são melhores com os números do que elas, mesmo as avaliações demonstrando que elas atingem os mesmo objetivos que os meninos. Aliado à falta de incentivo para seguirem em determinadas áreas, meninas tendem a escolher carreiras mais focadas na educação e no cuidado de pessoas. E, quando atingem carreiras acadêmicas nas áreas STEM, a hegemonia masculina já consolidada exige que diversas barreiras sejam rompidas, como a maternidade, o assédio e a invisibilidade nas indicações para posições de liderança e de comitês científicos.

De acordo com as próprias ganhadores de 2020, ainda maior que o reconhecimento é a mensagem positiva, de exemplo e incentivo para mulheres seguirem a carreira científica, lutarem por espaço e reconhecimento. Por estes motivos, a láurea destas pesquisadoras é uma verdadeira inspiração para as meninas e mulheres. Se no passado Rosalind Franklin foi esquecida por Watson e Crick e pela academia, as premiações deste ano mostram que a Academia está atenta ao trabalho importante de cientistas mulheres. Parte disso também se deve ao fato de que a proporção de mulheres no comitê do Prêmio Nobel aumentou nos últimos anos, o que progressivamente está levando ao maior número de indicações e de premiações.

Seguem abaixo frases inspiradoras destas três grandes cientistas:

“ Eu gostaria de passar uma mensagem positiva para as meninas que gostariam de seguir o caminho da ciência e mostrar que mulheres na ciência também podem ter um impacto na ciência que elas estão fazendo. Espero que Doudna e eu possamos passar esta forte mensagem para as meninas”. – Charpentier

“Para mim, sempre foi muito importante encorajar jovens mulheres nas ciências. É uma oportunidade e uma responsabilidade encorajar a próxima geração de cientistas que são apaixonadas por este tipo de trabalho nesta área.”– Ghez

“ É encorajador para outras mulheres que estão na ciência, ou mesmo em outras áreas, perceber que seu trabalho pode ser homenageado e que pode ter um impacto real. E seja ou não um Prêmio Nobel, que as mulheres têm um papel muito importante a desempenhar no mundo, e que suas contribuições podem ter um impacto real que é notado”– Doudna