Leia artigo exclusivo para as Notícias da ABC enviado pelo Prof. Oswaldo Alves, vice-presidente da ABC para a Regional SP. Ele é professor titular/ professor colaborador do Instituto de Química da Unicamp, pesquisador 1A do CNPq por mais de 20 anos, coordenador científico do Laboratório de Química do Estado Sólido (IQ-Unicamp), professor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará (UFC), grão-mestre da Ordem Nacional do Mérito Cientifico, fellow da Royal Society of Chemistry (RSC), da The World Academy of Sciences (TWAS), da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Academia de Ciências do Estado de SP (Aciesp):

Em função da pandemia causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), responsável pela COVID-19, muitas instituições, dentre elas escolas, universidades, academias, estádios, ginásios esportivos e empresas, interromperam suas atividades e, consequentemente, as instalações sanitárias como banheiros (vasos), pias, chuveiros, etc., deixaram de ser utilizadas.

Tal situação começa a preocupar as autoridades responsáveis pela administração destes edifícios e, também, autoridades da saúde. Tais ambientes ficaram bastante tempo sem uso e acreditamos que começarão logo  a ser ocupados, em função da retomada gradual das atividades presenciais.

Várias questões surgem. Dentre elas, destacamos a situação das instalações hidráulicas  ̶  deixadas sem uso, consequentemente sem fluxo de água, desde o fechamento dos prédios. A falta de limpeza e ausência de sanitizantes, ocorrida na maioria das vezes, pode criar uma situação altamente propícia ao desenvolvimento de microorganismos patogênicos, o que vem chamando a atenção de vários especialistas.

A situação fica aparentemente mais crítica quando consideramos o trabalho de um grupo de pesquisadores da Universidade de Yangzhou, na China, que relatou recentemente que o uso da descarga em banheiros públicos pode liberar nuvens de aerossóis carregados de vírus, que podem ser inalados pelo usuário.

Segundo estes pesquisadores, banheiros públicos podem se constituir como locais perigosos para alguém potencialmente vir a se infectar com um vírus, mormente durante a pandemia da COVID-19. Assim, com a transmissão do vírus a partir das fezes e da urina sendo possível, o uso de máscara é absolutamente mandatório (1 e 2).

Neste contexto, ressalte-se ainda texto apresentado na revista Clinical Infectious Diseases e co-assinado por 239 cientistas de todo o mundo, pedindo às autoridades de saúde que reconheçam que a COVID-19 pode ser disseminada por transmissão aérea. Os cientistas pedem “medidas de mitigação maiores, para controlar a propagação do vírus no ar em ambientes fechados” (3).

Legionella pneumophilla (site Bom dia, Luxemburgo)

Voltando à questão inicial da retomada, os reservatórios de água e suas canalizações  ̶  sobretudo em situações em que não se tem  o uso continuado ou processos de descarga regulares  ̶ , se constituem no local ideal para o desenvolvimento da bactéria Legionella pneumophila, notadamente conhecida como fatal e responsável pela chamada Doença do Legionário (4): uma forma grave, agressiva e às vezes fatal de pneumonia. Essa bactéria pode, em princípio, se espalhar pelo simples ato de acionar a descarga, ou mesmo abrir uma torneira, dado que os banheiros, via de regra, não costumam ter ventilação natural adequada.

Algumas instituições, dentre elas a Universidade de Pittsburg, nos Estados Unidos, acabam de receber financiamento da National Science Foundation para um estudo interdisciplinar envolvendo esses problemas (in)diretos causados pela pandemia.

Segundo Sarah Haig, professora de engenharia civil e ambiental e participante do projeto, normalmente a água potável que abastece os edifícios contém um resíduo desinfetante, como o cloro, para ajudar a prevenir e reduzir o crescimento microbiano. “No entanto, as mudanças na química da água, devido aos longos períodos sem uso de água (estagnação) recentemente observados em todo o mundo durante a pandemia de COVID-19, terão consequências inesperadas na qualidade das águas usadas nas instalações hidráulico-sanitárias prediais”, afirmou.

Os aspectos comentados neste texto visaram levantar algumas questões paralelas,  associadas à volta presencial às atividades, e ao mesmo tempo apontar para o fato de que a pandemia ainda está fortemente presente em nosso meio. Fica claro que existem muitos outros componentes, tão importantes quanto a questão sanitária, ligados à economia, ao aspecto social e ao político. Nesta retomada, precisamos, com todas estas variáveis, fazer face à alta complexidade deste processo. Trata-se de uma trágica situação de emergência.

Lembrete final: NUNCA use água sanitária (à base de hipoclorito de sódio) e desinfetantes (à base de amônia) “juntos e misturados” na limpeza de qualquer ambiente doméstico ou profissional. Do contato destes dois produtos ocorre a liberação de gases (cloroaminas) que, uma vez inalados, podem trazer problemas à saúde, dentre eles, sérias intoxicações.


Para saber mais:

 (1) Ji-Xiang Wang Yun-Yun Li  Xiang-Dong Liu  and Xiang Cao, Virus transmission from urinals,  Physics of Fluids 32, 081703 (2020). 

(2) Yun-yun Li  Ji-Xiang Wang  and Xi Chen, Can a toilet promote virus transmission? From a fluid dynamics perspective, Physics of Fluids 32, 065107 (2020).

 (3) Lidia Morawska and Donald K. Milton, It is time to address airborne transmission of COVID-19, Clinical Infectious Diseases, ciaa939 (2020).

(4) Legionnaires’ Disease and Pontiac Fever: Causes and Transmission. CDC. 9 de março de 2016. Consultado em 06 de setembro de 2020.