Com o tema “Ciência e mídia na pandemia”, a 17ª edição da série “O mundo a partir do coronavírus” dos Webinários da ABC | Conhecer para Entender, realizada no dia 28/7, reuniu cientistas e jornalistas. A conversa tratou dos desafios para a divulgação científica na pandemia e sobre a democratização dos conhecimentos da ciência por meio da comunicação social.

Os convidados foram a jornalista Ana Lúcia Azevedo, mestre em geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), repórter especial de O Globo, especializada em ciência, saúde e meio ambiente há 30 anos, ganhadora de alguns dos maiores prêmios em jornalismo do país; a bióloga Maria Augusta Arruda, que foi professora e pesquisadora da UERJ e da Fiocruz, ganhou o Prêmio Para Mulheres Na Ciência L’Oréal-Unesco-ABC em 2008 e hoje é gerente de projetos estratégicos da Universidade de Nottingham (Reino Unido); a jornalista Luiza Caires, mestre em comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e editora de ciência do Jornal da USP; Hugo Aguilaniu, doutor em biologia pela Universidade de Gothenburg (Suécia) e diretor-presidente do Instituto Serrapilheira; e o físico Luiz Davidovich, professor titular do Instituto de Física da UFRJ, secretário geral da Academia Mundial de Ciências (TWAS), membro da National Academy of Sciences (EUA) e presidente da ABC.

O jornalismo em tempos de pandemia

Ana Lucia atua desde 1989 na cobertura de ciência, saúde e meio ambiente do jornal O Globo. Em 2011, ela recebeu o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica, um reconhecimento pelo seu trabalho na comunicação de ciência à população. Em um momento de incertezas provocado pela pandemia do novo coronavírus, a jornalista apontou alguns desafios impostos à ciência, como a emergência de uma vacina, e à imprensa, como a necessidade de uma cobertura na linha de frente.

A jornalista destacou que a pandemia, a produção científica e a mídia têm demandas e tempos diferentes. “Vivemos em um experimento global sem precedentes”, alertou. “Vacinas, que levam anos para serem produzidas, estão sendo demandadas em meses e a ciência está sendo colocada à prova”, disse.

Uma das consequências que ela identificou foi a falta de informação sobre as Unidades de Saúde dos principais hospitais. “Se não querem mostrar o que acontece dentro de uma unidade de saúde, temos o dever de investigar. Esse é o nosso papel”, disse. “Dentro das UTIs há um risco maior de contágio e, por isso, tudo é pensado e planejado para a prevenção. Eu entrei e me senti mais segura lá, devidamente equipada, do que, por exemplo, em supermercados onde nem todo mundo tem os cuidados que deveria”, afirmou.

A ciência na mídia antes e depois da COVID-19

“Não basta que a ciência tenha um papel importante durante uma pandemia se não falarmos sobre ela em tempos normais”, disse Luiza Caires. Atualmente, a jornalista coordena uma equipe dedicada à cobertura de COVID-19, com reportagens e conteúdo para mídias sociais com informações confiáveis e de preservação da saúde.

Segundo ela, o jornalismo de ciência ainda é escasso nas mídias brasileiras. Luiza defende a especialização dos jornalistas que cobrem ciência. “Estamos esvaziados de profissionais especializados e há redações que não valorizam esse tema específico”, disse. Com as novas demandas em cobertura de ciência e saúde, jornalistas de todas as editorias têm sido deslocados para cobrir a pandemia, o que produz matérias inconsistentes ou mesmo com erros.

Como editora do Jornal da USP, Luiza viu o próprio trabalho se tornar fonte para veículos da grande imprensa. “Com a falta de jornalismo científico no Brasil, a gente acaba preenchendo esse espaço”, disse. Além da produção científica da universidade ser valorizada, há também o reconhecimento do trabalho realizado pela equipe do Jornal da USP, que conta com de cerca de 60 profissionais para produção do site, de uma rádio e da edição diária do jornal on-line.

Uma ciência democrática

A comunicação sobre ciência é um dos principais atores para que a população tenha acesso aos conhecimentos de prevenção durante uma pandemia de um vírus altamente contagioso. No entanto, as pessoas não têm o mesmo acesso à informação no Brasil. Para a bióloga Maria Augusta Arruda, esse é um reflexo de um país desigual.

“O Brasil está no topo das desigualdades sociais. Não é uma crise, é um projeto”, afirmou Maria Augusta. A pesquisadora argumentou que a ciência deveria ser mais próxima das diferentes realidades que existem no país e, para isso, precisa falar a linguagem da população para transmitir conhecimentos e ser desmistificada. “É um desafio para os jornalistas fazer com que a mídia tradicional abrace essa abordagem. Para os cientistas, o desafio é facilitar a comunicação de informações de qualidade”, disse.

Maria Augusta também destacou a necessidade de mais inclusão, tanto na academia como na mídia e na sociedade. “A ciência é parte da cultura, da sociedade”, disse a pesquisadora, ressaltando as trincheiras ainda existentes entre os cidadãos para o acesso à informação, como a cor de pele. “Quantas vezes vocês estiveram com uma mulher preta em uma conversa científica? Apesar de mais de 50% da população brasileira ser como eu, temos que ter sempre em mente que existem diferenças econômicas e raciais”, questionou Maria Augusta.

Muitos são os problemas para que ocorra essa inclusão, mas a falta de investimentos em ciência e tecnologia é uma das fontes de exclusão. “Como podemos resolver problemas históricos se a meia vida deles é a gestão de um presidente que é o que vemos no Brasil? Essa é uma dificuldade que assola a nossa comunidade”, ressaltou.

 Mídia, ciência e educação

“Acho que as pessoas têm uma ideia de que os cientistas têm sempre um conhecimento bem estabelecido, quando, na verdade, são cheios de incertezas”, disse Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, uma instituição criada para fomentar a ciência e a divulgação científica. Segundo ele, uma boa divulgação científica deve promover novos olhares sobre a ciência e ser fonte de educação. “Sabemos que é sempre um desafio para o cientista e para o jornalista relatarem como a ciência é feita”, observou ele, avaliando que esse desconhecimento sobre o processo científico é que constrói uma falsa imagem da ciência.

Desde o início da pandemia e sua propagação no Brasil, muitas dúvidas surgiram e informações sobre novos tratamentos, medicamentos e uma possível vacina vêm sendo questionadas. “Parte da população fica com a impressão de que a ciência é confusa, mas não temos como ser assertivos nesse contexto”, disse. “A ciência é feita por pessoas, em cima de ensaio e erro. O erro é fundamental, e por isso leva tempo”, afirmou.

Para Aguilaniu, entender e propagar uma visão mais realista do que é a ciência é papel da mídia mídia e da comunidade científica. A credibilidade da ciência, em sua visão, é construída por meio de informações que tenham relação com a realidade das populações. “O relacionamento entre ciência e imprensa precisa ser mais elaborado, não pode ser improvisado”, afirmou.

Por conta disso, o Serrapilheira e a Agência Bori criaram a campanha #CientistaTrabalhando, convidando colunistas a cederem seus espaços na imprensa para cientistas a partir de 8 de julho, Dia Nacional da Ciência, ao longo de todo o mês. “Com ela, procuramos mostrar que a ciência é mais do que a busca por uma verdade imutável e que sua prática demanda tempo, investimento e diálogo.”

A ciência nas páginas de jornais

Para o presidente da ABC, Luiz Davidovich, a ciência vive um momento peculiar provocado pela pandemia. Jornais, revistas e canais de notícias convidam diariamente cientistas para entrevistas e debates. Muitos destes viraram colunistas ou consultores oficiais de grandes veículos de imprensa. “Essa é uma oportunidade única de ver a ciência trabalhando intensamente com todas as suas características”, apontou.

Diante de tantas incertezas e em uma situação de emergência mundial para encontrar soluções para essa crise, Davidovich também vê um momento de grandes avanços científicos. “É preciso promover o entendimento de que a ciência não tem verdades, ela apenas busca verdades, que não são atemporais”, afirmou o físico. Ele também observou um fenômeno de evolução das ciências parecido com o que ocorreu na sua área, a física quântica. “Esse momento de incertezas está levando ao desenvolvimento da ciência, como debates fervorosos entre físicos brilhantes que contribuem para construir o desenvolvimento da física ao longo do tempo”, disse. “O debate é a fonte da força e do trabalho da ciência”, ressaltou.

Davidovich também avaliou o contexto que a pandemia encontrou no Brasil: uma situação de crescente desindustrialização, de fragilidade da saúde pública e com 48% da população brasileira sem acesso a saneamento básico. Diante da crise gerada pela COVID-19, boa parte da população percebeu que apenas a ciência pode ser capaz de encontrar soluções para a pandemia e para muitos dos problemas vivenciados pelo país. “A ABC está promovendo essa série de webinários semanais desde o início de abril como uma contribuição à sociedade neste momento de fragilidade”, afirmou o presidente da Academia.