A 19ª edição dos webinários da Academia Brasileira de Ciências (ABC), realizada no dia 11/8, teve como tema “COVID-19 e a Inovação de Fármacos no Brasil”. Os webinários são encontros semanais que reúnem Acadêmicos e especialistas para debates em torno do tema geral “Conhecer para Entender: O mundo a partir do coronavírus”. O Acadêmico João Batista Calixto, vice-presidente da ABC para a Região Sul, foi responsável pela coordenação do evento.

Os participantes foram o Acadêmico Glaucius Oliva, coordenador do Centro de Pesquisa e inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp); o Acadêmico Eliezer Barreiro, farmacêutico e criador do Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LASSBio-UFRJ); e Jaime Rabi, bioquímico, pesquisador emérito do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e diretor executivo da empresa Microbiológica.

Os desafios para a produção de um fármaco

 O CIBFar é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão financiado pela Fapesp que tem o objetivo de promover estudos e a produção de novos fármacos contra doenças infecciosas endêmicas e emergentes. Glaucius Oliva lidera a equipe desse laboratório desde 2013, que hoje realiza estudos de medicamentos que combateriam a infecção causada pelo novo coronavírus. Para entender melhor a busca atual por medicamentos anti-COVID, o Acadêmico explicou os desafios para a produção de novos fármacos e as características do vírus causador da atual pandemia.

“A produção de um novo fármaco é um grande desafio”, disse Oliva. Ele explicou que um medicamento, para ser consumido e eficaz, deve resistir às diferentes condições produzidas pelo organismo humano, como pH do estômago, atravessar paredes intestinais hidrofóbicas para chegar à corrente sanguínea, e viajar pelo organismo até atingir seu alvo terapêutico final, como vírus e bactérias. “O fármaco faz toda essa viagem, com inúmeros obstáculos, até chegar no alvo e ser ativado e ainda há a possibilidade de ele promover efeitos tóxicos”, afirmou.

Uma vez que o composto estudado alcance todos os requisitos há uma nova fase composta por ensaios pré-clínicos. Entender esse processo é importante para conhecer os projetos desenvolvidos pelo CIBFar. Além de estudar a doenças de chagas, a malária, a leishmaniose, a zika, o laboratório lançou um projeto recente, com o apoio da Fapesp, para realizar ensaios contra proteínas do SARS-CoV-2, o novo coronavírus. “Já temos as enzimas virais expressas e purificadas e também o ensaio direto contra o vírus, e agora precisamos achar compostos candidatos ao desenvolvimento pré-clínico e clínico que sejam específico às características do vírus e com propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas otimizadas”, disse Glaucius.

Essa realidade, no entanto, não está presente em muitos laboratórios farmacêuticos do Brasil, empreendimentos ainda pouco inovadores. “Uma das causas tem origem nas universidades, com cursos sem integração entre as disciplinas e pouco espaço para a criação de novas empresas em laboratórios de pesquisa nas universidades públicas”, apontou o Acadêmico.

A importância da inovação em fármacos

 O Acadêmico Eliezer Barreiro é farmacêutico e pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ. Ao longo de sua carreira como professor, ele notou que as estruturas de ensino de quando era aluno, na mesma universidade, não evoluíram e representam entraves à aproximação da universidade com empresas o que limita o desenvolvimento da indústria farmacêutica no Brasil. “A inovação em fármacos se baseia em ciência atrelada às novas tecnologias”, afirmou Barreiro.

A química medicinal, uma das duas principais disciplinas centrais do processo de inovação em fármacos, como os antivirais, carece de novos profissionais e, segundo o Acadêmico, é diferente da Química tradicional, a mais ensinada nas universidades. “É um tipo de química que oferece a compreensão para os mecanismos de moléculas que apresentam possibilidade terapêutica”, disse.

Em um contexto interdisciplinar, contrário às demandas da área da química medicinal, a cooperação internacional se tornou imprescindível para o desenvolvimento de tratamentos contra o novo coronavírus. “Iniciamos um projeto de ciência aberta com vários colaboradores internacionais, com ensaios feitos na Ucrânia e coordenação de cientistas de Cambridge”, disse o pesquisador.

“A química medicinal é muito recente no Brasil e temos que trazer a inovação em fármacos para o desenvolvimento dessa área”, afirmou Eliezer. Para isso, o Acadêmico apontou como uma solução a criação de grades curriculares mais modernas. “Temos uma deficiência de ensino grande, não é possível inovar com um único curso de formação na área, conciliando a química medicinal à farmacologia”, disse.

O conhecimento da indústria

Jaime Rabi foi professor do Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais da UFRJ por 20 anos. Ainda como acadêmico, ele foi convidado para ingressar a empresa Microbiológica como sócio e responsável pelo desenvolvimento de um projeto de síntese de princípios ativos essenciais, elencados na então Relação Nacional de Medicamentos (Rename).

Durante a década de 90 a Microbiológica pesquisou, desenvolveu e produz os agentes antirretrovirais mais importante da época, contra o vírus causador da AIDS. No final dos anos 90 firmou alianças estratégicas com duas empresas emergentes nos Estados Unidos, com as quais desenvolveu importantes agentes anti hepatite B e C.

Hoje em dia, além de seus programas de manufatura, a Microbiológica participa de três Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) de antivirais essenciais e está ativamente comprometida com dois projetos de inovação radical, em colaboração interdisciplinar com instituições ícones da ciência brasileira.

Questionado sobre o que impede o Brasil de avançar na inovação tecnológica visando o desenvolvimento de novos medicamentos, ele se referiu à origem da indústria nacional. “Nossa indústria está fundamentada muito mais na imitação tecnológica e no comércio do que na descoberta e desenvolvimento de novos fármacos, incentivada por políticas públicas que tem focado sistematicamente no passado”, afirmou Rabi.

Ele avalia que uma boa parte das empresas locais tem encontrado o sucesso garantido no curto prazo, sem o risco de empreender em territórios desconhecidos. “È no empreendedorismo que acontece normalmente a atividade essencial de aprender a aprender e onde o fracasso é parte natural do aprendizado”, apontou.

O modelo de substituição de importações funcionou durante o período de ciclos tecnológicos longos, na visão de Rabi, onde inovações incrementais permitiram uma aparente estabilidade. Entretanto, a evolução da ciência e a ameaça crescente de novas doenças emergentes fez com que o processo de inovação tecnológica resultasse em mudanças muito rápidas e contínuas de paradigmas e, portanto, de competitividade. “Essa mudança tornou evidente a insuficiência da imitação tecnológica como fonte de industrialização e progresso económico e social”, ressaltou Rabi.

O palestrante destacou que a indústria farmoquímica é uma atividade fundamentada em ciência e na integração interdisciplinar de muitas competências essenciais. Este entendimento abre, naturalmente, o caminho para o necessário encontro da ciência brasileira com o empreendedorismo que busca, através da invenção e desenvolvimento de novos produtos, atender necessidades ainda insatisfeitas da sociedade. Na opinião de Rabi, “é na inovação tecnológica que a indústria encontrará naturalmente a sua sustentabilidade e progresso permanente. Medicamentos que salvam vidas e que contribuem para uma melhor qualidade de vida são elementos relevantes para a sociedade entender a ciência como um bem social indispensável e uma forma natural da ciência ser incorporada à nossa cultura”, concluiu.