Como está organizada no Brasil a luta contra a covid, e como a atitude do presidente abalou a confiança da população nas instituições encarregadas de protegê-la? Entrevistado por Felipe Brandi para o site francês A Vida das Ideias em 14 de julho, o Acadêmico Marcello Barcinski traçou constatações contundentes e mostrou a lamentável situação do país.

Barcinski destacou a importância do SUS, sistema de saúde único na América Latina e pela primeira vez garantido pela Constituição.  “Uma enorme desigualdade social caracteriza o Brasil, e o SUS reflete isso. A disponibilidade de recursos é desigual, oferecendo serviços com as tecnologias mais modernas que convivem com situações de quase abandono de pacientes. Mas o SUS é o maior sistema de serviços de saúde do mundo, tendo em mente o tamanho da população atendida. Sem o SUS, a situação do Brasil seria catastrófica”, apontou o Acadêmico.

Perguntado sobre o plano de ação utilizado para proteger a população e a política de saúde nos espaços urbanos mais prejudicados, o cientista informou que a cada dia a situação muda. “É fácil ver que a pandemia foi mal gerenciada. Ela atacou o Brasil como uma tempestade intensa. A progressão rápida da pandemia mostrou a distância entre o Ministério da Saúde e o presidente da República”, disse Barcinski.

O cientista relatou que as conferências do Ministério da Saúde com a imprensa eram frequentes e os números da progressão da pandemia eram comunicados diariamente. Mas o comportamento errático do presidente foi o grande obstáculo ao projeto do ministro Mandetta e a confiança da população no Ministério da Saúde foi atingida. Seu papel como protagonista da condução da pandemia desapareceu.

Para Barcinski, a pandemia não só fez aparecer nossas vulnerabilidades, como aproveitou-as para se instalar e se propagar. “O número de mortes no Brasil é maior que na China e na Índia, países com população numericamente muito maior do que a nossa. Por causa da subnotificação de casos, o número real de pacientes é calculado ser entre 5 e 7 vezes mais alto que o número oficial”, relatou.

Ele informou que foram tomadas iniciativas para proteger as populações mais pobres: hospitais públicos e hospitais de universidades receberam camas exclusivas para pacientes de covid-19. A sociedade civil se organizou e vem colaborando intensamente. Grupos solidários se formaram nas comunidades, hotéis disponibilizaram quartos, hospitais de redes particulares ofereceram serviços e ajuda. Na opinião do Acadêmico, “não há dúvida nenhuma sobre a covid-19 ter despertado nos seres humanos o que eles têm de melhor e pior.”

Marcello Barcinski é doutor em biofísica, professor titular honorário na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor titular aposentado da Universidade de São Paulo (USP). Além da ABC, Barcinski também é membro da Academia Nacional de Medicina (ANM). É pesquisador sênior do CNPq e pesquisador visitante no Centro de Desenvolvimento de Tecnologias em Saúde, na Fiocruz do Rio de Janeiro.

Leia a entrevista integral em francês no site La Vie des Idées.