Leia a entrevista da Radio France Internationale para a Carta Capital, publicada em 4/6, com o Acadêmico Ricardo Galvão:

Esta sexta-feira é o Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado todo o ano pela ONU em 5 de junho. Desta vez, a data é marcada pelo impacto da pandemia de coronavírus, que acabou acelerando reivindicações antigas dos ambientalistas. Menos consumo, menos transportes, mais prioridade à produção local. Mas quais dessas mudanças vieram para ficar?

Foto: Lucas Lacaz/Estadão Conteúdo

“Nenhum de nós pode pensar que vai pegar o seu ônibus para o futuro independente dos outros, e não só estamos interligados como também temos deficiências e mostramos que estamos fracos sob vários aspectos”, avalia o físico Ricardo Galvão, [membro titular da Academia Brasileira de Ciências],  professor da USP e ex-diretor do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Um dos pesquisadores brasileiros mais reconhecidos no mundo, apontado pela revista Nature como um dos 10 mais influentes de 2019 – mas exonerado pelo presidente Jair Bolsonaro –, ele observa ainda que a Covid-19 evidenciou a importância da valorização da ciência. “Três ou quatro meses atrás, o negacionismo avançava no mundo todo, mas as pessoas estão voltando um pouco atrás. Toda a vez que temos um governo tosco, medíocre na sua formação e muito rudimentar na formação de políticas, o país vai sofrer.”

RFI: Muito tem se falado sobre o fato de essa crise, por mais dramática que seja sob o ponto de vista sanitário e humano, ser também uma ocasião histórica para repensar o nosso modo de vida. Poderíamos incluir uma série de recomendações mais ecologistas no nosso cotidiano e no meio empresarial. Como o senhor vê o futuro pós-pandemia, deste ponto de vista?

Ricardo Galvão: Essa avaliação é correta. Creio que esta crise nos tornou mais conscientes de que o mundo todo está ligado. Nenhum de nós pode pensar que vai pegar o seu ônibus para o futuro independente dos outros, e não só estamos interligados como também temos deficiências e mostramos que estamos fracos sob vários aspectos. Vamos ter de mudar muito a maneira de pensar o futuro.

Tem uma situação muito clara no Brasil. A evolução do coronavírus na Amazônia está muito rápida, com Manaus bastante afetada. Infelizmente, neste ano também, tivemos um maior aumento do desmatamento, e em época de chuvas. Logo virá a época de seca e nós estamos prevendo que, se o governo não fizer nada, haverá um aumento violento dessas queimadas na Amazônia, que trazem doenças respiratórias, como sempre ocorreu. Pelas previsões que estão fazendo os cientistas brasileiros, é muito provável que o pico do coronavírus se sobreponha ao pico do aumento das queimadas. As consequências serão sérias para os sistemas de saúde da região.

No Brasil, a pandemia traz pelo menos dois desafios ambientais graves: o aumento do desmatamento da Amazônia, que se acelera à margem do problema da Covid-19, e a infecção de comunidades indígenas pelo vírus. Mais de 1,8 mil indígenas já teriam sido contaminados pela Covid-19. Tudo isso acontece sob um governo que não esconde o desprezo pelos temas ambientais. O quanto 2020 poderá terminar com um balanço trágico nessas duas questões?

Infelizmente, o cenário é bastante sombrio. Não só para o Brasil, mas também o impacto do que está acontecendo para a humanidade. Sabemos a importância da Amazônia para a biodiversidade, o meio ambiente, o regime de águas, etc. O governo, com seu discurso, estimulou a invasão de terras indígenas. No ano passado, quando eu ainda era diretor do Inpe, em abril nós monitorávamos constantemente o desmatamento e as invasões de terras indígenas. Não foi dada a devida atenção para isso e vimos, agora, no Estado do Pará, perto da cidade de Itaituba, invasões enormes de terras indígenas.

O senhor foi exonerado do Inpe por insistir no valor dos dados científicos do instituto sobre o desmatamento. Agora vemos, novamente, o governo federal desprezar a ciência na gestão dessa crise do coronavírus. Conforme a sua experiência, a ciência já foi tão contestada quanto agora?

Já houve várias ocasiões em que a ciência foi contestada fortemente. Quando Hitler começou a demitir cientistas judeus, um grande físico que foi prêmio Nobel, criador da mecânica quântica, foi até ele para solicitar que não os demitisse. A resposta do Hitler foi aterrorizadora. Ele simplesmente disse que a política alemã não seria alterada. Se a expulsão dos cientistas judeus significasse um retrocesso da ciência alemã, então a Alemanha ficaria muitos anos sem ciência.

Tivemos, na História, muitos casos desses, que nos fazem infelizmente reviver. Toda a vez que temos um governo tosco, medíocre na sua formação e muito rudimentar na formação de políticas, o país vai sofrer. Qualquer país do mundo vai sofrer. Nós não teremos desenvolvimento econômico neste século sem ser com uma base sólida no avanço da ciência.

Leia a entrevista na íntegra.