Partículas de coronavírus vistas em microscópio eletrônico Imagem: NIAID/National Institutes of Health/Science Photo Library

Matéria de Barbara Fraser para a revista Nature, publicada em 22/5, traz entrevista com o presidente da ABC, Luiz Davidovich, na qual destaca a luta contra movimento anti-ciência, paralelo ao rápido aumento de casos de covid-19.

Em tradução livre, a jornalista aponta que o Brasil está em terceiro (hoje já em segundo) lugar entre os números mundiais de casos confirmados de covid-19, com mais de 300 mil infectados e 20 mil mortos. Os pesquisadores brasileiros, no entanto, têm mais de um inimigo a enfrentar: como se não bastasse o coronavírus, há a atitude anti-ciência do Governo Federal.

O presidente brasileiro rejeitou as medidas de distanciamento social e vem promovendo fortemente a droga anti malárica cloroquina como tratamento para covid-19, a despeito da falta de evidências de sua eficácia. Dois ministros da Saúde já foram demitidos por discordarem dessas práticas.

Apesar disso, os pesquisadores brasileiros estão trabalhando pesado para enfrentar os desafios que a pandemia está trazendo, de acordo com o físico Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências, entrevistado por Fraser.

Davidovich falou à Nature sobre os impactos das atitudes anti-ciência e os cortes de orçamento para pesquisa, assim como sobre possibilidades pós-pandemia.

Ele deu destaque aos esforços incansáveis dos cientistas brasileiros. Comentou sobre as inovações criadas pelos engenheiros, como ventiladores pulmonares de baixo custo, a busca dos químicos por novos medicamentos por meio da exploração de compostos, o uso de inteligência artificial por matemáticos para identificar moléculas que possam aliviar a dor dos pacientes infectados, a pesquisa em busca de uma vacina, a pesquisa clínica sobre o efeito da cloroquina e da hidroxicloroquina em pessoas contaminadas, realizada em Manaus, no estado do Amazonas. E contou que os pesquisadores envolvidos nesta pesquisa clínica foram ameaçados de morte, em função dos seus resultados terem sido contrários ao uso desses medicamentos para tratar a covid-19. “A Academia Brasileira de Ciências conclamou o governo a apoiar e proteger esses cientistas”, afirmou o presidente da ABC.

Perguntado sobre a situação da pesquisa em outras áreas não relacionadas à pandemia, Davidovich explicou que as universidades estão fechadas, sem prazo para reabrir, e que a falta do contato pessoal frequente certamente atrasa as pesquisas, porque impacta nas situações informais do cotidiano, que ocorrem no ambiente de trabalho e que geram as boas ideias.

Davidovich falou também a respeito do dissenso positivo de alguns governos de estados do Brasil, especialmente os do Nordeste, assim como São Paulo e Rio de Janeiro, que vêm enfrentando a “desorientação” do Governo Federal por meio da criação de comitês científicos consultivos e estimulando o necessário isolamento social.

O presidente da ABC relatou que a ciência, agora, está em alta na mídia. A demanda de entrevistas para mídia impressa e para televisão está mais intensa do que nunca, e os jornalistas vêm evidenciando a importância da ciência. “Por outro lado, há pessoas afirmando que a Terra é plana, que a humanidade não tem nenhum efeito sobre o clima e que o conceito de seleção natural é errado”, lamentou Davidovich.

Respondendo à repórter, o presidente da ABC destaca o aprendizado que deveria ter ocorrido com a pandemia da zika: o Brasil pôde enfrentar o problema com sucesso porque, até então, os laboratórios de pesquisa ainda estavam conseguindo trabalhar bem, dados os recursos recebidos em anos anteriores e as colaborações nacionais bem estabelecidas. “Verificamos o quanto a cooperação científica é importante, como ter equipamentos adequados é importante, como ter pessoal bem preparado é importante. E então, foram construídas políticas públicas baseadas nesse processo de aprendizado? Não, certamente não.” Davidovich relatou que desde 2013 o orçamento para ciência, tecnologia e inovação vem sendo cortado seguidamente, causando uma fuga de cérebros e um sentimento de desalento nos jovens cientistas que continuam no país.

Sobre o desenvolvimento da pesquisa no país pós-pandemia, Davidovich ressalta o paradoxo brasileiro: mesmo detendo 20% da biodiversidade mundial, o país não tem uma política industrial de estímulo a start-ups que utilizem essa biodiversidade para a biomedicina. E aponta esse como “o caminho das pedras” para o Brasil.

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