Márcia Barbosa

A pauta política, social e econômica atualmente está muito ligada às questões de natureza e meio ambiente, sobretudo por causa dos desafios impostos pelas mudanças climáticas e pela busca de um modelo sustentável de vida. Por isso, o objetivo da 4ª Conferência Internacional de Mulheres na Ciência sem Fronteiras, realizada de 12 a 14 de fevereiro no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, foi realçar a transversalidade entre mulher, ciência e meio ambiente para pensar como as mulheres podem protagonizar esse debate ao mesmo tempo em que estimulam o desenvolvimento científico. Foi o que explicou, em entrevista à ABC, a física Marcia Cristina Bernardes Barbosa, membro  do Comitê Organizador do evento e da diretoria da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

“É importante ressaltar que esse desenvolvimento não passa apenas por uma questão técnica, de tecnologia ou projetos de pesquisa. Passa também pela formação e ampliação das redes de troca entre as mulheres cientistas. Por meio dessas trocas é que também avançamos, criando laços e vínculos que fortalecem a comunidade em torno de conhecimento. O evento é sobre mulher, mas também sobre a ciência que elas fazem”, esclareceu.

Márcia destacou que estamos vivendo um período em que a falta d’água, ligada às mudanças climáticas, leva à diminuição da população de espécies, o que pode afetar os ciclos naturais, os ecossistemas. Por outro lado, como resposta, há pesquisas sobre tecnologia de sequestro do CO2 para minimizar o efeito estufa. Para ela, quando as mulheres debatem essas questões, atuam diretamente nos desafios contemporâneos, ajudando a melhorar a condição de vida de todos, e especialmente das mulheres.

Porém, a proporção de mulheres na ciência ainda não se equipara à sua presença na sociedade, o que ela considera um problema grave.

“Se olharmos para a inserção das mulheres na base do percurso científico, a graduação, vemos que não é irrelevante, especialmente em áreas como biologia e saúde.  É mais ou menos 50% da população universitária. Contudo, à medida que se avança na academia, diminui a participação. Isso fica ainda mais evidente na Física. Existem mecanismos de exclusão, que passam pela falta de apoio à figura da mulher. Por isso, ser mulher num campo desses significa uma honra e também um estímulo para se buscar maneiras de se empoderar e de empenhar as instituições no apoio às mulheres nas diferentes etapas e desafios da vida acadêmica. É necessário que a entrada, circulação e permanência delas na academia seja prioridade, e que a inserção de jovens seja estimulada para que elas consigam, pelo exemplo, trazer mais mulheres. Isso depende das pesquisadoras e da sociedade como um todo. Exige sobretudo vontade política”, defendeu.

Formada há quase 40 anos, a física tem observado uma mudança nos debates sobre ciência e mulher no Brasil. Ela contou que trabalha com gênero há mais de 20 anos e que, já naquela época, mundo afora, se discutia e se reconhecia na diversidade um elemento importante para o desenvolvimento científico. Porém, no Brasil, o debate não existia.

“Felizmente, isso mudou. O reconhecimento de que a diversidade faz diferença ganhou corpo. O empoderamento das novas gerações não aceita mais, por exemplo, o assédio que a minha geração via como natural. As novas gerações abrem espaços importantes. E, uma vez com poder, conseguem incidir politicamente. Eu vejo, sim, vontade política e, apesar de vivermos sob um governo que acredita no machismo institucional e no patriarcado, sou otimista de que as coisas podem mudar. Já estão mudando, ainda que longe de plenamente. O protagonismo das mulheres é fundamental”, afirmou.

Esta foi a quarta edição da Conferência Internacional de Mulheres na Ciência sem Fronteiras – as três primeiras foram na África. Ela explicou que membros da ABC começaram a refletir sobre a necessidade de expandir as fronteiras do evento. “Por que não a América Latina? Esse rompimento geográfico é bastante simbólico. E torna-se ainda mais sem fronteiras porque conseguimos ampliar os debates para além de países africanos e da América, incluindo discussões sobre a Europa também”, concluiu.

Leia mais sobre a 4ª Conferência Internacional de Mulheres na Ciência sem Fronteiras:

Amal Amin: “Os desafios para a igualdade de gênero são enormes”

Ronald Shellard: “A pouca presença feminina na física não reflete a proporção das mulheres na sociedade”

Carolina Neumann Keim: de olho na vida após as tragédias

Andrea de Camargo: “Evento com mulheres cientistas foi um ganho para toda a sociedade”