A afirmação da importância social e econômica da pesquisa científica, da interdisciplinaridade e da participação das mulheres na ciência foi, na opinião da química Andrea Simone Stucchi de Camargo, um dos principais pontos positivos da 4ª Conferência Internacional de Mulheres na Ciência sem Fronteiras, realizada no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), de 12 a 14 de fevereiro. Para ela, diante de um cenário político desfavorável, o evento marcou posição não apenas ao conhecimento científico, mas também à participação feminina na ciência.
Em entrevista à Academia Brasileira de Ciências (ABC), Andrea de Camargo, que é professora do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), comentou as sessões em que participou e salientou a necessidade da ampliação dos laços e intercâmbios na comunidade científica global. A conferência fez parte do Fórum Mundial para Mulheres na Ciência – Brasil 2020, realizado de 10 a 14 de fevereiro no Rio de Janeiro.
Para Andrea, o diálogo entre campos e áreas de saber distintos promove diversidade, contrapontos e permite uma aproximação que gera encontro e espalha ideias, levando a um resultado positivo. Segundo a professora, os debates foram enriquecedores.
“Em todas as sessões, as ideias e projetos apresentados mostraram o porquê de olharmos para a ciência como uma aliada da sociedade. Um trabalho muito interessante foi o da Stavroula Balabani, da University College London, que utiliza a engenharia de fluxo como ponto de partida para a pesquisa em saúde, no caso específico, para aplicação em pesquisa de fluxo sanguíneo e doenças cardiovasculares. Também fiquei bem impressionada com debates sobre o aproveitamento de insumos normalmente descartados, como os bagaços, para a produção de alimentos enriquecidos, como macarrão feito de pó de vegetais usados. Esse produto pode ser muito útil para populações desassistidas. Temos nesses dois exemplos o recurso à interdisciplinaridade e a importância social e econômica da pesquisa científica”, contou.
Segundo a professora, a questão do gênero também suscita ideias que vão além do mundo propriamente das ciências. “A aproximação do gênero com o meio ambiente, num evento como este, que reúne participantes de países em desenvolvimento, faz com que tenhamos conta de que os problemas são compartilhados. Os desafios são comuns. Não são apenas as mulheres cientistas, mas as mulheres do mundo todo podem se envolver e se beneficiar dos diálogos. Especialmente porque, nas relações sociais, são elas que tradicionalmente ficam responsáveis por zelar pelos filhos e idosos, administrar a vida familiar e lidar com questões como alimentação, educação e saúde. O conhecimento produzido beneficia a todas. E todos também, porque no final das contas o conhecimento deve favorecer o ser humano”, enfatizou.
Questionada sobre a inserção feminina na sua área de atuação, Andrea reconhece que é menor que em outras áreas. Segundo ela, um dado interessante, particularmente na física, é que a entrada nos cursos de graduação costuma ser equilibrada entre os sexos, mas, na progressão na carreira e na academia, a participação feminina decresce por uma série de fatores inerentes ao universo feminino. Ela pondera, entretanto, que isso não pode ser visto apenas como uma questão interna às ciências duras. “Claro que há particularidades, mas penso que é um reflexo geral da desvalorização e falta de apoio e prestígio das mulheres na sociedade, que ainda vincula trabalhos intelectuais a homens. Em termos políticos, vemos poucas mulheres em cargos de liderança e em postos com poder de decisão em políticas educacionais e científicas. Enfim, é uma desigualdade que está na ciência, e deve ser enfrentada, mas que também está enraizada no mundo social”, atestou.
Andrea defende que se incentive a ocupação de mulheres em todas as instâncias, para que a sua representatividade seja proporcional à população:
“Por não haver tantas mulheres em cargos de liderança, temos poucos modelos de inspiração e exemplo para as jovens. Perdemos, portanto, oportunidade de transformar a realidade. A Conferência procura inspirar novos modelos, que são muito necessários no atual e preocupante cenário político, econômico e social. A condição social feminina sempre foi problemática. Contudo, na conjuntura atual, em que o país enfrenta, em parte da sociedade e no próprio governo, uma oposição à educação e à pesquisa, é de se preocupar com a questão de gênero. Temos um governo que em suas ações desfavorece mulheres e outra minorias. E isso não pode ser tolerado. Acho que a Conferência, nesse sentido, é mais um manifesto contra os ataques feitos à cidadania, à educação, à participação das mulheres e ao cerceamento que se tenta contra as universidades e o conhecimento crítico.”
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