Leia a seguir texto do Acadêmico Antonio Gomes de Souza Filho, físico e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC):

Já não é novidade que as universidades federais enfrentam semanalmente embates e dificuldades com o governo. É preciso lembrar que depois de muita movimentação as dificuldades postas no horizonte por possíveis cortes foram amenizadas sobremaneira pelo descontingenciamento realizado no segundo semestre de 2019.

Nos dias de transição entre 2019 e 2020; três ações do governo relacionadas às universidades merecem muita atenção. Uma ação é o projeto de lei Future-se publicado em 03/01/2020 que não acho ser necessário (votei contrário ao pré-projeto em reunião do conselho universitário da UFC em 14 de Agosto de 2019), e duas outras que não fazem sentido; se analisadas tanto pela ótica da gestão corporativa moderna quanto pela ótica do próprio Future-se. Refiro-me à Medida Provisória Nº 914 (24/12/2019) que tem entre seus pontos, um que concentra grande poder na mão dos reitores, e à Portaria do MEC Nº 2.227 (31/12/2019) que reduz sobremaneira a mobilidade dos pesquisadores.

Tudo que o governo propõe no Future-se (o projeto está no período de consulta pública até o dia 24/01/2020 e é bom que todos enviem sugestões) poderia ser realizado de forma dialogada e muito mais simples; sem criar toda essa instabilidade com as incertezas que pairam, principalmente sobre a garantia constitucional do financiamento público. Simplifico dando um exemplo que faz parte das sugestões que enviei na consulta. O substancial que é proposto no future-se pode ser executado usando o arcabouço legal já existente, sem tem que mudar quase uma dezena de leis e uma emenda constitucional. As fundações que fazem a gestão dos recursos captados e os fundos patrimoniais já existem, precisam apenas de pequenos ajustes. Desburocratização e flexibilização da gestão poderiam ser atingidas usando a lei do Novo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei nº 13.243/2016) declarando as universidades (não precisa ser todas de início) como instituições de pesquisa. Era um boa chance de fazer uma mudança conceitual importante nessas instituições onde suas atividades (ensino, extensão, inovação) passariam a ser norteadas pela atividade de pesquisa. É assim nas mais renomadas e relevantes universidades do mundo!

As melhores práticas de governança atuais, inclusive no mundo corporativo, têm como base o modelo de gestão compartilhada, considerando as múltiplas visões dos processos, a participação das pessoas nas decisões e um grande envolvimento da sociedade. E a MP 914 vai exatamente na direção oposta; delega ao reitor a escolha dos diretores. Não combina com a universidade, principalmente pública, um modelo em que os diretores das unidades acadêmicas não sejam escolhidos pelos seus pares. Da forma que está posta, os reitores (executivo) definirão quase que a totalidade do conselho universitário (legislativo). Espera-se (e devemos atuar junto ao legislativo) para que seja aprimorada essa legislação no congresso, permitindo que os diretores sejam escolhidos pelos seus pares em processos internos da Universidade.

A portaria do MEC 2.227 se levada a cabo, na minha interpretação, reduz por exemplo a mobilidade (um ou dois por vez!) de pesquisadores para participar de reuniões científicas; mesmo que seja sem ônus para a instituição. Inclui ainda o mecanismo de autorizar a saída de mais de um servidor vinculado à autorização do secretário do MEC. É uma burocratização completamente desnecessária de um aspecto operacional que deve ser executado no âmbito da autonomia das instituições e que colide frontalmente com os próprios objetivos do Future-se, quais sejam internacionalizar as atividades acadêmicas (a mobilidade é um dos principais mecanismos) e modernizar a gestão.

Já que se fala tanto em melhorar as universidades, e trabalhamos duro nessa direção, o que ajudaria a sermos mais eficientes era o governo reconhecer a universidade como uma aliada do desenvolvimento da nação, garantir o financiamento com regularidade e executar um bom programa de avaliação. Sinceramente não vejo nada se materializando nessa direção. O que vejo com essa portaria é que antes mesmo do Future-se, já temos o Imobilize-se!