O painel de Comunicação Científica que integrou o evento “Ciência na América Latina: hoje e amanhã”, realizado na ABC ente 27 e 29/11, reuniu os cientistas Stevens Rehen e Yurij Castelfranchi com os jornalistas Ana Carolina Leonardi e Herton Escobar, num rico debate que dá continuidade ao investimento da Academia Brasileira de Ciência neste tema, com foco em jovens cientistas (ver as Notícias da ABC sobre o 4º ENMA).

Escobar é graduado em jornalismo pela Western Michigan University (WMU), com formação em jornalismo científico pelo Marine Biological Laboratory (MBL) e pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Em 2014 estudou jornalismo multimídia, fotografia, vídeo e empreendedorismo na UC Berkeley Graduate School of Journalism e recebeu o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica do CNPq. Recebeu o Prêmio Nacional da Biodiversidade 2017, do Ministério do Meio Ambiente, e o Prêmio Petrobras de Inovação em Jornalismo 2017.

Ele mostrou dados de pesquisa sobre percepção pública de ciência, realizada pelo INCT-CPCT, na qual a maioria das pessoas entrevistadas declararam admirar e confiar na ciência, mas não sabem nomear um pesquisador ou uma instituição de pesquisa brasileiros. “Quando conseguem nomear instituições, as universidades nunca vêm em primeiro lugar, embora sejam as maiores produtoras de pesquisa do país”, relatou o jornalista, que foi repórter do jornal O Estado de S. Paulo por quase 20 anos, especializado em ciência e meio ambiente, com mais de 2 mil reportagens publicadas.

A habilidade dos canais profissionais de mídia para produzir jornalismo de ciência com qualidade, na avaliação de Escobar, está diminuindo. Poucos veículos de mídia têm repórteres de ciência capacitados em suas equipes e o espaço dedicado à ciência nas notícias diárias é mínimo.

Isso impacta na necessidade das universidades públicas e outras instituições de pesquisa comunicarem sua ciência para o público geral, porque poucas delas têm um departamento de comunicação estruturado, capaz de gerar conteúdo próprio para distribuição massiva. Escobar fala por experiência própria, já que desde 2016 trabalha com a Universidade de São Paulo, na produção USP Talks, uma iniciativa pioneira de comunicação da ciência, que busca aproximar a comunidade acadêmica da sociedade por meio de palestras mensais e gratuitas, sobre temas em evidência no cenário nacional. Atualmente, ele é diretor de conteúdo e âncora do projeto, além de repórter especial da Superintendência de Comunicação Social da USP.

Escobar referiu-se à pesquisa produzida por André Azevedo da Fonseca que conclui que a comunicação das universidades públicas, de modo geral, ainda despreza o interesse público, e quando possuem um núcleo de comunicação, só tratam de coisas que acontecem dentro da própria universidade, não produzem conteúdo interessante para a sociedade. “Como dito na apresentação do Stevens Rehen, são cientistas falando com cientistas, professores falando com professores”.

Ele aponta que a comunicação científica nas universidades deve ser pensada como um serviço público, e dá como exemplo o histórico do Jornal da USP. De 1985 até 2016, era um jornal semanal, distribuído nos campi, tratando de assuntos como “o que o reitor estava fazendo, alguns programas da universidade, enfim, um boletim interno, pouco interessante de se ler”. Em 2016 foi criado um comitê pra reinventar a comunicação da universidade. O jornal foi completamente reestruturado e se tornou digital, incluindo multimídias, podcasts, canal no youtube, entrevistas, seções de ciência, tecnologia, atualidades, cultura. “Ainda tem uma parte institucional, mas agora é uma entre outras. O Jornal da USP hoje produz conteúdo para a sociedade, e não somente para a universidade. Tornou-se, de fato, um serviço público”, reforça

Para isso, hoje a superintendência de comunicação social (SCS-USP) conta com uma estrutura idêntica a de um grande jornal, com 70 funcionários e orçamento de 2 milhões de reais por ano. Todo esse esforço resultou em atuais 5,9 milhões de usuários que acompanham as notícias da USP, a maioria de fora da universidade.

A Superintendência de Comunicação Social da USP conta com 70 funcionários (dentre eles, 35 jornalistas) e um orçamento de R$ 2 milhões ao ano.

Além disso, mantém um guia intitulado “De cientista para jornalista”, para ajudar os pesquisadores a falarem com a imprensa de um modo mais produtivo. “Apenas colocar a informação online não é suficiente. É preciso trabalhar a comunicação envolvendo texto, áudio, vídeo, infografia, fotografia, memes e cartoons, todas em conjunto, para produzir uma comunicação efetiva”, diz o o jornalista, que desde 2015 é colaborador internacional da revista Science (EUA).

A morte do “jornalismo verdadeiro”

Nas palavras de Escobar, a maneira dessa comunicação acontecer, até tempos recentes, era o cientista conceder uma entrevista concedida a um jornalista, que escrevia sobre a pesquisa e, assim, fazia com que o conhecimento saísse da universidade e atingisse a sociedade. “O cientista precisava de um mediador”, explicou Herton.

Agora, com a revolução digital, não há mais tanta necessidade dessa mediação, já que o cientista pode usar blogs, podcasts, redes sociais e etc. para falar diretamente com as pessoas. “A mídia profissional é extremamente necessária, mas não é mais o único caminho”, apontou Escobar.

Nas mãos de um jornalista profissional, o trabalho de divulgação científica passa por diversas etapas: parte-se de uma ideia inicial, quando a informação passa por uma apuração preliminar, seguida de entrevistas, pesquisa, e paralelamente outros profissionais trabalham na elaboração de gráficos e fotos. Vem então a etapa de escrita, edição, elaboração de layout e, enfim, a publicação. “Esse processo exige muito tempo e trabalho”, observou Escobar.

Construir pontes para unir as ilhas

Escobar destaca que a maioria do público brasileiro não se importa com quem escreveu a informação, mas sim com a plataforma onde aquele conteúdo está sendo veiculado. “As pessoas não olham mais para o mundo com os próprios olhos, mas sim através das telas digitais. Isso produz uma enorme influência no jeito como elas consumem informação.” Ele diz que esse consumo vem cada vez mais ocorrendo por meio dos smartphones do que por computadores. “Saber disso é importante para que a informação seja adaptada aos novos hábitos, e seja fácil de ser consumida pela sociedade”, alertou.

Até porque, segundo ele, há um buraco negro no ecossistema da comunicação – e alguém precisa preencher esse buraco com informação de qualidade. “Se as universidades, ou até mesmo os próprios cientistas, não preencherem essa lacuna de informação, alguém vai fazer isso”, afirmou Herton. E esse ‘alguém’ são os propagadores da pseudociência, políticos ou outros oportunistas que se aproveitam desse buraco negro para transformar desinformação em informação. “Porque eles são muito bons com comunicação e sabem utilizar essas plataformas muito melhor do que os cientistas”, alertou.

Resumindo a mensagem: os cientistas têm que melhorar seu capacidade de comunicação e as universidades não podem perder a oportunidade de mudar seu paradigma, transformando sua comunicação institucional num serviço permanente de utilidade pública, em apoio à popularização da ciência para toda a sociedade.

 

Confira a cobertura completa do painel de comunicação científica:

Como encontrar os amantes da ciência?

A jornalista Ana Carolina Leonardi contou sua experiência com o uso das mídias digitais para identificar o público e construir uma comunidade de seguidores, no evento da ABC “Ciência na América Latina: hoje e amanhã”.

Ciência é cultura

Stevens Rehen reforçou a importância de formas mais ágeis e interessantes de comunicação dentro e fora da academia, no evento da ABC “Ciência na América Latina: hoje e amanhã”.

Ataques à ciência são ataques à democracia

O sociólogo Yurij Castelfranchi, da UFMG, apontou no evento da ABC “Ciência na América Latina: hoje e amanhã” que um grande desafio para os cientistas e comunicadores de ciência hoje é a opinião pública.

 

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