Leia a seguir artigo publicado pelo Acadêmico Roberto Lent para o jornal O Globo, publicado em 4 de julho:

Por que será que os adolescentes são figurinhas tão particulares em seus sentimentos e seus comportamentos? Que terá os seus cérebros de diferente em relação aos adultos, e mesmo em relação à infância que acabaram de ultrapassar?

Perguntas que todos se fazem, para as quais só recentemente houve respostas consistentes. Já se sabe, por exemplo, que o isolamento elétrico das fibras nervosas só termina depois da adolescência, especialmente nas regiões frontais do cérebro, encarregadas do chamado controle inibitório do comportamento. Esse isolamento é responsável pela maior velocidade de condução dos sinais bioelétricos, aumentando a eficiência do controle comportamental. O adolescente vivencia uma explosão de hormônios que empurram o seu comportamento para o sexo, a aventura, a emoção, a descoberta. Só que há toda uma sociedade em volta dele, com regras e limites que devem ser aprendidos e seguidos para um convívio harmônico entre as pessoas. Se tudo correr bem no cérebro, sua cognição o faz ciente dessas regras, e seu controle inibitório o permite segui-las, e bloquear ou adiar os comportamentos inadequados.

O detalhe neuronal dessas peculiaridades do cérebro dos adolescentes foi o tema de recente pesquisa de um grupo de pesquisadores americanos e espanhóis, que identificou uma propriedade importante dos neurônios de uma certa área cerebral responsável pela atribuição de valor emocional aos dados da memória autobiográfica. Vamos por partes.

A área cerebral estudada foi a famosa amígdala. Atenção: não se trata aqui do órgão do sistema imunológico que você tem ao fundo da garganta. É um núcleo de neurônios que fica no cérebro sob as têmporas, cuja função é analisar nossas vivências através de um exclusivo filtro emocional. Uma música me enleva? Uma pessoa me provoca medo? Isso é produzido pela atividade dos neurônios da amígdala, articulada de perto com outra região do lobo temporal chamada hipocampo, que, por sua vez, é responsável por consolidar a nossa memória. Ouvi aquela música quando estava junto à pessoa que amo, fiquei com medo daquele indivíduo depois que o vi agredir um mendigo na rua. A emoção então se incorpora à memória.

O grupo de pesquisadores recolheu amostras da amígdala de pessoas falecidas entre o nascimento e a terceira idade, e submeteu essas amostras a uma bateria de técnicas capazes de identificar moléculas específicas de neurônios em fase de proliferação (precursores), outros em fase quiescente do desenvolvimento (imaturos), e ainda outros já com seu desenvolvimento completo.

Verificaram que — diferente de outras regiões cerebrais — os neurônios da amígdala apresentam uma maturação prolongada, que se acentua na adolescência e se estende até a vida adulta mais tardia. Quer dizer: a atribuição de “valência emocional” aos fatos que presenciamos e que se incorporam ao nosso repertório de memória só amadurece mesmo após os 13 anos, lentamente.

O adolescente não discerne bem a valência emocional dos estímulos ambientais — avalia mal, e ora eles lhe parecem muito prazerosos, ora extremamente desagradáveis. Junte-se a isso uma dificuldade de controlar o comportamento de acordo com as regras sociais e — zás — inicia-se uma enorme “balbúrdia” juvenil.

A imaturidade do cérebro adolescente pode manifestar-se de modo descontrolado, causando prejuízos, desconforto social e dor. Mas é importante e positiva porque inova e moderniza a civilização humana. O principal é compreendê-la para lidar com ela da melhor maneira possível.

* Professor titular da UFRJ e Pesquisador do Instituto D’Or