Leia a seguir reportagem de Ludmilla de Lima para o jornal O Globo, publicada em 2 de junho:

RIO — Coberto de poeira, o arqueólogo Murilo Bastos deixa o interior do Museu Nacional com uma caixa preta na mão. Dentro dela, um achado pequeno, mas de grande valor: um fragmento que pode ser um pedaço de osso da múmia indígena Aymara. O material foi encontrado na área do museu hoje chamada de Egito, que concentra o que sobrou da coleção, antes exposta no terceiro andar. De luvas, botas, capacete e máscara, ele, que encontrou o fóssil de Luzia nos escombros do incêndio que atingiu a instituição há nove meses, conta que, desde então, vive permanentemente em campo, num trabalho de reconstrução do museu, peça por peça. A força-tarefa junta outros 41 professores e técnicos que, por falta de insumos básicos, se veem diante da ameaça real de terem que desistir da missão.

Não há luvas nem máscaras suficientes, e até as caixas usadas pelos arqueólogos para recolher e guardar o material recuperado estão chegando ao fim. Sem esses itens, o trabalho, previsto para ir até o fim do ano, simplesmente não tem como continuar. A paleontóloga Luciana Barbosa de Carvalho, vice-coordenadora do núcleo de resgate do acervo, estima que sejam necessárias 20 mil caixas para encerrar o desafio de recuperar peças valiosas. Além de Luzia, a estrela do museu, foram encontradas mais de 200 peças egípcias, como os artefatos lacrados há 2.700 anos no caixão da múmia Sha-Amun-en-su, “xodó” de Dom Pedro II.

Outra preocupação é com a saída dos operários da Concrejato, empresa contratada para fazer o escoramento e a cobertura provisórios do palácio que abriga o Museu Nacional. A conclusão das obras deve acontecer em julho.

— Eles nos ajudam, pegam no pesado, carregam carrinho — afirma a paleontóloga, temendo que, sem as equipes da construtora, a segurança em campo também piore.

Enquanto se discute o corte de R$ 11,9 milhões em emenda de R$ 55 milhões da bancada federal do Rio para o museu, o diretor da instituição, Alexander Kellner, afirma que não há verbas para o dia a dia dos pesquisadores. Hoje, falta até espaço para guardar o material recolhido dentro do palácio. Os quatro módulos que servem como laboratórios já estão abarrotados. Professores precisam improvisar, mantendo os achados num galpão usado para triagem, limpeza e identificação das peças.

Do Egito para o garimpo

Segundo Kellner, a compra de dez novos contêineres custaria R$ 350 mil. Para resolver todos os problemas que hoje afligem a instituição, ele calcula que precisaria de R$ 1 milhão. Diante do quadro de penúria da UFRJ (que sofreu um bloqueio de 41% do seu orçamento) e sem promessa de ajuda financeira por parte do Ministério da Educação, Kellner aposta em doações, que podem ser feitas à Associação Amigos do Museu.

Operários trabalham na obra, que vai evitar que o Museu Nacional seja inundado com as chuvas. No interior, pesquisadores enfrentam os escombros para reconstruir instituição Foto: MARCELO THEOBALD

— O meu principal problema hoje é o dia a dia. Não tenho verba para trocar uma lâmpada, comprar uma cadeira para pesquisador. Precisamos de doações. Pode ser R$ 10, R$ 100… — apela o diretor, que vai promover, no próximo fim de semana, atividades pelos 201 anos do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, o que pode dar um fôlego à campanha SOS Museu Nacional, que arrecadou R$ 259 mil até 30 de abril.

A “batalha” dos pesquisadores do Museu Nacional é delicada e cheia de riscos. Todos que atuam nos escombros passam por um curso de segurança para aprender a trabalhar suspensos. Foi assim que Luciana conseguiu acessar as cerâmicas guardadas em armários do 3º andar que, no desabamento da parte interna da construção, ficaram pendurados em vigas. Na última quarta-feira, o arqueólogo Pedro Luiz Von Seehausen teve que deixar o “Egito” porque um pedaço do teto se desprendeu.

Após atuar no próprio Egito, escavando na região de Luxor, ele jamais poderia imaginar que escavaria peças dentro de um museu.

— Já encontrei tumbas incendiadas no século XIX. Tenho a visão habituada a achar material queimado. Mas nunca lidei com material egípcio inundado, por causa das chuvas, e exposto à umidade. É um desafio armazenar essas peças, após o incêndio, num clima tropical — explica o arqueólogo.