O papel das mulheres na ciência vem sendo muito discutido no Brasil e em todo o mundo, incluindo um país localizado a mais de 15 mil quilômetros de distância do nosso: a Austrália.

Na mesa-redonda “Aqui e lá: mulheres na ciência no Brasil e na Austrália” , organizada pelas Academias de Ciências do Brasil e da Austrália, em parceria com o Museu do Amanhã, foram discutidos o contexto australiano no que diz respeito à participação das mulheres nessa área e a perspectiva brasileira sobre o assunto.

A física e Acadêmica Márcia Barbosa, a geneticista Jenny Graves e a comissária para a Discriminação Sexual Kate Jenkins refletiram sobre a cultura acadêmica de seus países e a igualdade de gênero em Ciência, Tecnologia, Engenharias e Matemática (STEM, na sigla em inglês).

O evento foi realizado no dia 23 de maio, no Observatório do Amanhã, localizado no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.

 

A exclusão mascarada como normalidade

A geneticista australiana Jenny Graves nasceu quando o mundo vivenciava a Segunda Guerra Mundial e o cenário científico para as mulheres era bem diferente. Contudo, a professora emérita da Universidade Nacional da Austrália cresceu em um contexto não muito comum para a época: sua mãe era formada em geografia e geologia pela Universidade de Berkeley, na Califórnia, e passou a trabalhar em institutos australianos.

Seguindo essa inspiração, Graves obteve seu PhD pela Universidade de Berkeley. Ela conta que enquanto era estudante, não conseguia perceber a discriminação sofrida pelas mulheres, porque acreditava que o que acontecia era normal. Ela só percebeu que o preconceito e a discriminação eram reais quando concorreu a um cargo de chefia no seu departamento e quem assumiu a posição foi um homem com metade de suas qualificações. “Foi quando o filme se tornou visível aos meus olhos e eu enxerguei todos os padrões de exclusão”, relembra.

Diante disso, ela percebeu que precisava tomar alguma atitude e usou sua eleição para a Academia Australiana de Ciências para melhorar esse contexto. Ela foi a décima terceira mulher eleita, dentre mais de 700 membros, e resolveu propor que cada comitê acadêmico nomeasse pelo menos uma mulher. Depois de alguns anos de resistência à ideia, o sistema eleitoral foi alterado e metade das nomeadas eram mulheres naquele ano. Essa proporção tem sido mantida desde então.

Durante sua visita ao Brasil, a geneticista também fez uma visita à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e proferiu uma conferência no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde focou na determinação do sexo dos animais pelos genes, cromossomos e pelo ambiente.

 

Por uma ciência mais diversa

“Eu sou física e filha da escola pública brasileira”. É assim que Márcia Barbosa, professora titular no Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diretora da Academia Brasileira de Ciências (ABC), descreve a si própria. A pesquisadora denuncia a desigualdade de gênero na ciência e, principalmente, nas áreas ligadas a física, como uma “solidão muito grande para as mulheres”. O percentual de mulheres nessa área já é pequeno e é reduzido ao longo da carreira, padrão que se repete em várias partes do mundo.

Por conta disso, Barbosa resolveu se engajar em ações para mudar esse cenário. Em 2002 e 2005, ela participou da organização da Conferência Internacional para Mulheres na Física, que lhe rendeu a Medalha Nicholson, devido ao seu comprometimento com o apoio às mulheres nessa área ao redor do mundo. Certa vez, um colega a perguntou os motivos de tantos esforços para inserção de mulheres na física, considerando que “a física já ia muito bem sem elas”. Para ele, a professora respondeu com um dado de uma pesquisa da Mackenzie: entre as 500 maiores empresas do mundo, as que tem mais diversidade ganham mais dinheiro.

Um estudo publicado pela Revista Science, em janeiro de 2017, mostra que até os 5 anos as crianças não reconhecem um gênero como necessariamente mais inteligente que o outro. Contudo, a partir dos 6 anos, os meninos continuam considerando a possibilidade de serem inteligentes, enquanto as meninas apenas se consideram “esforçadas”. Para Márcia Barbosa, isso explica uma parte da ausência de mulheres em cargos altos, seja no meio acadêmico, na política ou no mercado de trabalho.

Para mudar a situação, a professora sugere que ações afirmativas sejam implementadas, mas reforça que elas não se resumem às políticas de cotas: “não basta garantir o acesso, é necessário um acompanhamento dessas pessoas ao longo da trajetória”. Por isso, ela participou das mobilizações que conquistaram algumas mudanças recentes, como a licença maternidade para as bolsistas de pós-graduação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e a inserção da data de nascimento dos filhos no currículo Lattes. Essas medidas reconhecem que a maternidade é um fator determinante na carreira das mulheres e precisa ser levado em consideração. “Nós precisamos de uma ciência mais diversa e, se conseguirmos isso, mudaremos a própria ciência”, finalizou a diretora da ABC.

 

O que a Austrália tem feito pela equidade de gênero?

A advogada australiana Kate Jenkins é responsável por promover a igualdade de gênero na Comissão Australiana de Direitos Humanos, e tem mais de 20 anos de experiência nesse assunto. Ela afirma que na Austrália há leis muito boas, os meninos e as meninas são bem educados, mas nem tudo é tão bom assim na prática.  “Se você quiser virar o CEO de uma grande empresa, isso será mais fácil se o seu nome for André do que Andréa”, conta a comissária.

Apesar disso, ela cita alguns motivos que justificam otimismo quanto à situação australiana. O Comitê sobre Discriminação de Sexo, do qual ela faz parte, concluiu que era necessário envolver as mulheres e também a comunidade imigrante. Para chegar até essas pessoas, instituições como a escola e família são caminhos possíveis. Um dos métodos utilizados consiste em campanhas educacionais que destacam os papéis de gênero de meninos e meninas, como propagandas que mostram mulheres trabalhando na Marinha do país, por exemplo. “Esse tipo de ação contribui para que as meninas percebam que também podem exercer funções que são consideradas masculinas”, apontou.

Além disso, a advogada conta que, em 2018, a Austrália nomeou, pela primeira vez, uma mulher como Embaixadora de STEM. A professora Lisa Harvey-Smith trabalhará em escala nacional no sentido de aumentar a compreensão das oportunidades disponíveis para mulheres nessas áreas, a fim de promover mudanças culturais e sociais para a equidade de gênero. “Eu estou lutando para que quando eu disser para o gerente de uma empresa que uma pessoa é incrível, ele entenda que estou me referindo aos talentos e não ao gênero”, alega Kate Jenkins.

 

Veja abaixo as fotos do evento: