Leia a seguir artigo da Acadêmica Vanderlan Bolzani para o Jornal da Ciência, publicado em 16 de abril:

O calor dos embates políticos que ocorrem no País parece ter obscurecido a visão de muitas pessoas sobre o que está em jogo neste momento, com as decisões que reduzem os recursos para a área de educação em geral, para as universidades e à pesquisa científica realizada em grande extensão nas universidades públicas, algumas poucas privadas e institutos de pesquisa.

Escondida na aparente racionalidade dos equilíbrios fiscais, constata-se uma perda de enormes dimensões que pode representar um retrocesso de décadas para o sistema de ensino superior e de pesquisa nacional, ainda jovem quando comparado com nações do próprio continente, e construído com os impostos pagos pela sociedade. A título de sanar as finanças no curto prazo, o Brasil está jogando fora os instrumentos basais para se tornar um país mais inteligente, criativo, humano e próspero.

Como sempre acontece em casa em “que não tem pão”, especialistas discutem acaloradamente as razões do baixo crescimento da economia. Alguns falam em semelhanças com os anos 1980, considerados a década perdida. Mas quaisquer que sejam as explicações dos economistas, uma coisa é certa: a agenda positiva para a retomada da economia nos próximos anos deverá partir do que foi construído no passado, com destaque para ciência, tecnologia e inovação. Nos países desenvolvidos, parcerias universidade-empresa são essenciais para a geração de novas tecnologias e de inovação industrial.  A biotecnologia é um excelente exemplo de como se aproximou ainda mais esses dois setores devido à complexidade e ineditismo desta nova área. Destruir parte desse patrimônio significa que o novo ponto de partida estará em um patamar inferior ao atual e a distância a ser percorrida na retomada será muito mais longa.

Outro fato a destacar é o papel que as universidades desempenham no crescimento econômico de um país, como mostram estudos realizados nos últimos anos e que ultrapassa em muito a avaliação imediata de seus custos.  Ele se estende a vários setores de alcance nacional, regional e até internacional, com impactos positivos sobre renda da população, qualidade de vida, saúde e outros componentes sociais (veja reportagem do jornal Nexo “Qual o impacto das universidades no crescimento econômico”, de abril de 2016).

Olhando de forma objetiva para o quadro que se descortina, temos a interrupção e o abandono de carreiras, especializações e de pós-graduação nas universidades, e isso equivale a reduzir, no futuro, o número de profissionais qualificados para o ensino e setores que trazem desenvolvimento econômico e social. Por outro lado, teremos a interrupção de centenas de projetos de pesquisa em andamento, ou seja, os avanços obtidos na difícil integração entre a universidade e a sociedade irão retroagir. Este ponto merece atenção especial, porque o grau de evolução de uma sociedade se mede pela capacidade de pensar, equacionar e resolver os próprios problemas. Quer sejam eles do campo da ciência política, das letras ou da química de materiais. E não é possível imaginar que em um mundo altamente complexo como o atual, que demanda cada vez mais saberes especializados, esses problemas serão resolvidos sem a contribuição do conhecimento científico e tecnológico.

O sistema acadêmico dependendo da área profissional leva em torno de seis anos (tomando como base mestrado e doutorado) para formar um pesquisador no início da carreira, com autonomia para definir um pós-doutorado e as suas próprias linhas de pesquisa. Só então podem ser oficialmente orientadores outros pós-graduandos, com excelência e referência internacional.  Eles são um elo básico do circuito educacional e incorporam o investimento feito pelo país para formar engenheiros, químicos, físicos, biólogos e muitas outras carreiras, que irão atuar em áreas estratégicas como agricultura, energia, alimentos, novos materiais e inovações indústrias. O processo de erosão desse circuito já começou e, evidentemente, terá consequências no futuro. É surpreendente que essas escolhas aconteçam quando o mundo vive um momento de inflexão, em que toda uma visão dos sistemas produtivos, na indústria, na agricultura, nos serviços, vai se alterando em direção a uma nova economia, baseada no princípio da sustentabilidade. E se essa mudança traz, por um lado, muitas exigências e desafios no campo da ciência e tecnologia, apresenta também as chances de afirmação para uma nova geração de pesquisadores brasileiros.

Não é preciso muito esforço para ver as linhas gerais desse processo de evolução. Desde a década de 1990, pelo menos, os países da União Europeia debatem, equacionam e tomam decisões levando em conta a chamada bioeconomia, uma ideia que envolve inúmeras áreas de conhecimento. Quem olha para o website do Centro de Conhecimento para Bioeconomia (Knowledge Centre for Bioeconomy) da Comissão Europeia, vê ali centenas de iniciativas, debates, pesquisas e informações sobre investimentos que mostram a importância conferida a esse processo de mudança, no qual a formação de profissionais especializados e o trabalho de pesquisa, em diferentes áreas, têm papel fundamental.

Nos Estados Unidos, onde a vigorosa cultura da inovação está entrelaçada com a Bolsa de Valores, a atuação de governo e agências governamentais é marcante e tem uma ilustração expressiva no texto publicado em 2012, pelo governo Barak Obama que, ganhou o nome de Modelo Nacional de Bioeconomia (National Bioeconomy Blueprint). No documento, a administração Obama enfatizava seu compromisso de fortalecer a pesquisa voltada para esse objetivo, destacando a inovação como um dos principais motores do desenvolvimento do país.

Muitos outros exemplos poderiam ser alinhados, inclusive na própria história do Brasil, para comparar os resultados de visões de curto prazo, com o pensamento mais amplo de um projeto de desenvolvimento. Mas todos os sinais parecem indicar que iremos conviver com uma dura realidade nos próximos anos.

Vanderlan da S. Bolzani é professora titular do IQAr Unesp e vice-presidente da SBPC