Um relatório preliminar elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2018, evidenciou que o aquecimento da Terra provocado pela humanidade ultrapassará 1,5º C por volta de 2040. As mudanças climáticas são uma realidade que têm instigado no campo científico a seguinte questão: como os seres humanos irão se adaptar? Em conferência realizada no Simpósio e Diplomação de Novos Membros Afiliados da ABC Regional São Paulo 2019-2023, o médico Paulo Saldiva falou sobre o tema a partir do título “Adaptação à temperatura ambiente em humanos: uma visão evolutiva no cenário dos cenários do aquecimento global”. O evento aconteceu em 14 de março, no Auditório István Jancsó – Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na Universidade de São Paulo (USP).

O Acadêmico Paulo Saldiva durante a conferência.

Médico patologista, Saldiva trabalha fazendo autópsias. E, com o passar do tempo, começou a ver a cidade no corpo das pessoas que autopsiava, ele explicou: “Dá para ver desde gente que morre de câncer e nem sabia que tinha, envelhecer, que também varia com o CEP, a marca da poluição, ou então, pessoas que morrem porque não tem tempo de adoecer”.

O Acadêmico ainda comparou o corpo com a cidade, onde os órgãos são os bairros e os habitantes são as células que constituem esses órgãos. “É como se eu tivesse um citômetro de fluxo, onde cada uma dessas células pudesse ser dissecada e eu pudesse ver o que aconteceu com elas”, ele acrescentou.

Foi a partir dessas relações que passou a estudar a poluição do ar, as questões ambientais e, posteriormente, o clima, as mudanças climáticas e o estresse térmico. Decidiu então tentar entender como a espécie humana fez para se adaptar a diferentes ambientes e quais são os desafios para o futuro.

Saldiva lembrou que a adaptação a diferentes condições ambientais possibilitou a consolidação da espécie humana. A busca por novos habitats foi associada a modificações genéticas e epigenéticas da fisiologia humana, bem como uma força motriz para impulsionar a criatividade humana, permitindo oportunidades de engenhosidade para adaptar habitação, roupas e hábitos sociais.

Ao longo da história, o processo de conquista de mais espaços para viver, o processo migratório para outras latitudes e a capacidade de adaptação às condições de frio e calor ocorreram dentro de uma janela de tempo de milhares de anos. No entanto, mais recentemente, os eventos migratórios produzidos por guerras, fome e outros fatores representam um novo desafio para a adaptação humana à temperatura, já que as pessoas se movimentam globalmente em velocidades muito mais rápidas. Além disso, as mudanças climáticas globais não apenas promoverão eventos migratórios mais intensos, mas também mudarão o clima regional em um grau sem precedentes.

O professor da USP apontou que com a ocorrência das mudanças climáticas e partindo do pressuposto de que não haverá adaptação humana, as ondas de calor se tornarão mais frequentes e intensas e as mortes relacionadas ao calor em regiões que já são quentes crescerão em até sete vezes.

Saldiva lembrou que a adaptação humana não acontece apenas por meio da genética e da fisiologia, mas também pela habitação. Fatores como densidade populacional, porcentagem de idosos na população, riqueza, índice de desigualdade socioeconômica, qualidade da estrutura hospitalar e protetora e a existência de áreas verdes se tornam determinantes em como uma cidade reagirá ao calor. Portanto, as cidades devem quantificar os riscos e os gastos, a fim de manter a biologia urbana funcionando.