Abraham Flexner, autor de “The Usefulness of Useless Knowledge” (a utilidade do conhecimento inútil, em tradução livre) – Reprodução

Leia a coluna do Acadêmico Marcelo Viana na Folha de S. Paulo, em 16/1. Ele é diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

Conta-se que o físico britânico Michael Faraday (1791-1867) recebeu um dia em seu laboratório o ministro da Fazenda, que o questionou para quê serviria a eletricidade, na prática. Dizem que o cientista respondeu: “Um dia, Vossa Excelência poderá cobrar impostos sobre ela.”

Um amigo me apresentou o livro “The Usefulness of Useless Knowledge” (a utilidade do conhecimento inútil, em tradução livre), de Abraham Flexner.

O autor faz uma defesa eloquente da ciência básica, da busca do conhecimento por si mesmo, sem objetivos práticos imediatos. Ele mostra que, muitas vezes, o impacto dela em nossas vidas é muito maior do que a pesquisa de curto prazo pode almejar ou vislumbrar.

Flexner (1866-1959) foi uma personalidade muito influente na educação e ciência dos Estados Unidos na primeira metade do século 20. Sua avaliação crítica do ensino da medicina deu origem a uma reforma profunda no treinamento de médicos na América do Norte, da qual emergiram as melhores escolas nessa área.

Ele também fundou o renomado Instituto de Estudos Avançados (IAS, na sigla em inglês) de Princeton. O IAS teve origem no desejo dos irmãos Caroline e Louis Bamberger de investir a fortuna numa iniciativa em prol da sociedade.

Os Bamberger tinham razões para estarem gratos: venderam sua loja de departamentos pouco antes do colapso da bolsa de valores em 1929, que originou inúmeras falências e deu origem à Grande Depressão.

Inicialmente, os irmãos pensavam abrir uma escola de medicina dentária, mas Flexner os convenceu a investir seu dinheiro em pesquisa básica, com destaque para a matemática e a física teórica (atualmente, o IAS está dedicado à matemática, ciências naturais, história e ciências sociais).

Foi sugerido que o instituto fosse localizado em Princeton, onde poderia usufruir do contato com uma das universidades mais conceituadas do país, e sua excelente biblioteca.

Na contratação dos primeiros pesquisadores, Flexner tirou proveito da situação vivida na Europa com o advento do nazismo, oferecendo porto seguro a cientistas de primeira linha, especialmente judeus.

Integraram esse grupo matemáticos e físicos do calibre de Albert Einstein, Kurt Gödel e John von Neuman, entre outros, que estabeleceram a reputação do IAS de uma vez por todas. Até hoje, já passaram pelo Instituto como pesquisadores 33 ganhadores do Prêmio Nobel e 42 vencedores da Medalha Fields (75% do total!).

Flexner concebeu o IAS como um paraíso da ciência pura, onde os melhores cientistas poderiam se dedicar “à busca sem obstáculos do conhecimento inútil”, num ambiente confortável e aprazível e sem precisar lidar com nenhuma das preocupações quotidianas.

Em seu livro, ele observa como essa pesquisa “inútil” vem gerando algumas das revoluções mais profundas do nosso dia a dia, do computador à energia nuclear, do GPS aos diagnósticos por imagem. Voltarei ao tema em breve