Leia a seguir matéria escrita por Thiago Camargo e o Acadêmico Virgilio Almeida para o jornal Valor Econômico, publicada em 9 de janeiro de 2019:

O setor de energia elétrica na Europa, Estados Unidos e em outras partes do mundo está passando por mudanças impulsionadas pela interseção de cinco fatores: 1- descentralização dos sistemas de geração de energia; 2- avanço das tecnologias de armazenamento de energia; 3- proliferação de tecnologias digitais, que permitem que a energia seja produzida, transmitida e consumida de forma mais inteligente e eficiente; 4- crescimento de fontes de energia renováveis, como eólica e solar; e 5- tendência de descarbonização do sistema energético, como parte dos esforços globais de mitigação das mudanças climáticas.

Essas transformações apresentam muitos desafios. Como os serviços de eletricidade, que hoje são gerados e operados majoritariamente de forma centralizada, serão fornecidos no futuro? Qual será o efeito da intensificação da digitalização do setor elétrico? Quais são as oportunidades e os desafios que as novas tecnologias colocam para as empresas desse setor? Quais são suas consequências para os consumidores?

O impacto da Internet e tecnologias digitais em todos os setores da economia é flagrante, com o lançamento acelerado de novos produtos e serviços. A digitalização do setor elétrico avança em direção a automação e ao uso de tecnologias de internet das coisas e inteligência artificial. As empresas de energia elétrica, em particular as distribuidoras, têm um enorme potencial para a economia digital. Têm conexões com as residências dos consumidores e, consequentemente, vastas massas de dados sobre consumo de energia e seu comportamento. Podem criar novos produtos e serviços interessantes aos consumidores.

Três fatores nortearão as principais transformações do setor elétrico: digitalização, descarbonização e descentralização. A digitalização da sociedade vem alterando as visões dos clientes sobre as empresas e as interações que eles esperam de provedores de serviços fundamentais, como transporte, segurança, saúde, administração pública e energia. Em vários segmentos da economia, como nos setores financeiro, entretenimento, comércio eletrônico e serviços online, os clientes já estão acostumados com atendimento personalizado e de alta qualidade. Sua tendência é adquirir produtos e serviços com essas características, acessíveis 24 horas por dia, sete dias por semana, através de dispositivos móveis e mídias sociais.

As pressões globais na direção à uma economia de baixo carbono são significativas e tendem a crescer. Em 2015, o Brasil ratificou o Acordo de Paris para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e possibilitar um futuro mais saudável para as próximas gerações. O país terá de alcançar metas quantitativas de redução de emissões de carbono. Uma série de indicadores deverá ser alcançada em diversos setores da gestão pública dos recursos naturais até 2030.

No setor elétrico, o maior impacto desta tendência mundial é a substituição de energia obtida a partir de combustíveis fósseis por energia elétrica em diversos produtos, cujo exemplo maior é o carro elétrico. O setor elétrico tende a operar com um sem número de fontes de energia distribuída e consumidores ativos, muitos deles conectados às redes de distribuição. Os consumidores serão cada vez mais ativos e poderão gerenciar seus próprios sistemas, com uma combinação de geração própria, armazenamento e uso.

Os efeitos dessas mudanças são muitos. A descentralização, por exemplo, implicará em mudanças culturais e operacionais nas empresas e também trará oportunidades de desenvolvimento de novos modelos de negócios e novas fontes de receita, a partir de produtos e serviços inovadores de distribuição e comercialização de energia. Além disto, haverá impactos significativos no ambiente concorrencial e nos preços da energia.

Há um potencial significativo de desenvolvimento de soluções, tanto para a melhoria dos processos e da prestação de serviços aos consumidores quanto para a criação efetiva de novos produtos e serviços, com vistas a obter ganhos de produtividade, preços mais acessíveis, maior competição e criação de novos mercados. Investimentos em pesquisa e desenvolvimento podem contribuir para minimizar riscos da transformação digital do setor elétrico e abrir um leque de oportunidades.

Os exemplos destas mudanças já ocorrem no Brasil. Hidrelétricas a gerar energia solar, por meio de instalação de painéis fotovoltaicos na lâmina da água dos reservatórios das usinas. Baterias com alta capacidade de armazenamento de energia. Clientes podendo escolher onde comprar energia, por meio de serviços digitais disponíveis na internet. Indústrias, escolas, mercados populares, clubes, condomínios, produzindo parte de sua energia, em coprodução com empresas de energia. Enfim, um sistema mais complexo, descentralizado e competitivo, fundado em energia limpa e provavelmente mais acessível a todos.

O setor elétrico vive um cenário altamente desafiador e quatro fatores serão chave para o sucesso empresarial neste novo mundo. O primeiro reside no necessário e urgente aperfeiçoamento regulatório do setor. O segundo, na capacidade de inovação de cada uma das empresas. O terceiro, na necessidade de melhorias na governança e gestão das empresas, que coloquem o cliente em primeiro lugar. O quarto fator refere-se à necessidade de requalificação da força de trabalho do setor elétrico em capacidades digitais. Engenheiros, técnicos e administradores das empresas de energia terão cada vez mais necessidade de executar suas funções de maneira conectada, em colaboração com software e máquinas autônomas, operadas por inteligência artificial.

Seja como for, as mudanças disruptivas descritas, que podem ser chamadas de setor elétrico 4.0, propiciarão uma maior eficiência operacional e o aumento da competição no setor. A empresa de energia que não colocar a inovação e o cliente no centro de sua estratégia de negócios certamente desaparecerá. O futuro chegou, e ao que tudo indica, com ganhos significativos para clientes, cidadãos e para o desenvolvimento sustentável.

Thiago de Azevedo Camargo, diretor de Relações Institucionais e Comunicação da Cemig

Virgilio Almeida, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), professor associado ao Berkman Klein Center e ex-secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia