Débora Foguel – Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis – UFRJ. Acadêmica e membro do Comitê Gestor da Academia Brasileira de Ciências.

Nesse mês, escolhi para lhes contar sobre um estudo publicado em agosto de 2018 na prestigiosa revista Nature Science of Learning. Esse estudo foi conduzido por um brilhante grupo de pesquisadores brasileiros da Universidade Federal do Rio Grande do Norte em parceria com um grupo da Universidade de Washington (EUA). No entanto, não posso deixar de pontuar que escrevo este texto ainda com os olhos marejados pela perda daquele que foi nosso maior e mais belo Museu de História Natural, nosso Museu Nacional… Para um país que carece de museus e de espaços de divulgação da ciência, foi um duro golpe….muita tristeza….

O título traduzido da publicação, “Cochilo depois da aula fortalece o aprendizado declarativo em um ambiente escolar naturalista”, nos diz tudo, mas vou aproveitar o momento, quando acabamos de conhecer o desastroso resultado do Saeb, que aponta que pouco ou quase nada avançamos no ensino fundamental e médio no Brasil. Certamente, os achados deste estudo não são a solução do problema, mas nos fazem refletir que, às vezes, algumas medidas simples podem trazer um retorno positivo ao processo de aprendizagem. No caso em tela, um cochilinho…

Vários outros estudos já haviam se debruçado sobre a questão do papel do sono na aprendizagem. Na verdade, qualquer um de nós sabe que aprendemos com mais dificuldade quando estamos cansados e com sono. Mas, o que este estudo investigou foi o efeito do sono após uma aula escolar. Para isso, estudou um grupo de 24 crianças (12 meninos e 12 meninas) com cerca de 10 anos (5o ano escolar) de uma escola pública de Natal e as disciplinas investigadas foram História e Ciências.

Diferente de outros estudos, nesse estudo a professora das crianças participou em várias etapas da pesquisa, inclusive na etapa de testagem do aprendizado. A participação da professora, além de outras vantagens, é muito importante, pois estudos conduzidos por pesquisadores, que são estranhos às crianças, podem introduzir um viés na pesquisa e distorcer os resultados. Além disso, no presente estudo, os 24 alunos foram divididos em dois grupos (12 alunos) que, alternadamente, foram submetidos ao regime “Aula 1 – Cochilo -Testagem do Aprendizado 1” e, na etapa, seguinte ao regime “Aula 1 – Aula 2 -Testagem do Aprendizado 1”, ou seja, nesse segundo regime as crianças não tiraram um cochilo depois da Aula 1, cochilo que durou, em alguns casos, menos de 30 min, e, em outros, mais de 30 min. Essas mudanças introduzidas no protocolo desse estudo são muito importantes e, por isso, os autores entendem que o mesmo foi conduzido num ambiente de aprendizado natural para as crianças, o que o torna mais confiável. A testagem da aprendizagem ocorreu sempre 3-4 dias após a aula ministrada para avaliar se houve retenção do aprendizado e qual a influência do sono nessa retenção.

De forma, muito interessante, as crianças que tiraram um cochilo por mais que 30 min (30-60 min) aprenderam significativamente mais os conteúdos da Aula que lhes foi previamente ministrada (cerca de 10% a mais de aprendizado). Mas, se o cochilo for menor que 30 min, essa diferença no aprendizado não foi observada, o que indica que o tipo de sono e sua duração são importantes.

O sono pode ser dividido em estágios dependendo do padrão de ondas cerebrais que produz. O cochilo da manhã é composto basicamente pelo sono estágio 2 (sono ainda não profundo) e sono de movimento ocular rápido (sono do tipo REM, rapid eye movement). Esse último tipo de sono beneficia a criatividade, ao passo que o sono estágio 2 está mais relacionado à memória declarativa, que é a memória associada ao aprendizado, justamente aquela que foi avaliada na testagem das crianças. Dessa forma, este estudo também conclui que os benefícios no aprendizado das crianças está mais relacionado ao sono estágio 2 e não ao sono REM.

Curiosamente, muitos pais costumam pensar que as escolas ou creches que colocam as crianças para dormir numa parte do dia não são tão boas, pois estão privando as crianças de novos aprendizados. Mas, face ao que acabamos de ver, dormir traz benefícios ao aprendizado. Como vimos, o sono consolida a memória da mesma forma que o cimento que se coloca entre os tijolos na construção de uma casa se consolida e traz solidez à casa! No caso, estamos falando da consolidação dos tijolos da casa da nossa aprendizagem! E uma boa aprendizagem é tudo que o Brasil precisa!!