Hernan Chaimovich – Bioquímico, Professor Emérito do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, foi Presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

Crise, ciência e tecnologia parecem hoje estar indissoluvelmente ligadas. Parecem impossíveis reflexões e ações que dissociem a situação atual da riqueza do passado e permitam planejar um futuro distinto.

Um olhar ao passado, especialmente o último século, evidencia o impacto da ciência sobre as mudanças sociais e econômicas no Brasil. No início do século XX, o Brasil fundou Instituições como o Butantan, o Biológico, a ESALQ, Manguinhos, com missões bem definidas. Essas Instituições deveriam criar conhecimento para combater agravos como a peste em Santos ou o amarelinho do café. Já naquela época cientistas brasileiros, em colaboração com estrangeiros, demonstraram que somente criando localmente ciência de excelência com impacto internacional é possível transferir e implantar novas tecnologias e vencer os desafios de um País continental. A fundação da Universidade de São Paulo, em 1934, onde pesquisa em temas da fronteira do conhecimento em todas as áreas do saber era parte do éthos institucional, representou um passo fundamental. A associação entre pesquisa de ponta, ensino e transferência de conhecimento, aceita como mecanismo eficiente de formação de uma elite intelectual e de uma sociedade moderna, se estendeu pelo país. No Brasil já houve política de Estado para Ciência e Tecnologia.

Descrevo caso exemplar para ilustrar um sucesso. O Brasil é o segundo produtor de soja, dominando hoje 30% do mercado global. A qualidade da soja brasileira é crescente, “os chineses preferem a nossa soja devido ao preço e a maior percentagem de proteína”. A contínua melhoria da qualidade do produto e sua inserção internacional teriam sido impossíveis sem a incorporação de conhecimento. A soja, originária da Manchúria, chegou na Europa no século XVII e aos EUA na segunda metade do século XIX. Plantada na Bahia em 1882, os cultivares dos EUA não se adaptaram. Oficialmente, a cultura foi introduzida no Brasil no Rio Grande do Sul em 1914. A grande expansão teve início na década de 1970 com cultivares gerados no País, produtos de pesquisa autóctone. Entre 1963 e 1969, Johanna Döbereiner iniciou um programa de pesquisas sobre os aspectos limitantes da fixação biológica de nitrogênio em leguminosas. Em 1964, com base em suas pesquisas, foi iniciado o programa brasileiro de melhoramento da soja, que representou uma quebra de paradigma. As pesquisas do Eurípedes Malavolta na ESALQ/USP foram essenciais para a remediação dos solos e aclimatação dos novos cultivares de soja no cerrado. O exemplo “soja” é somente um.

A incorporação de conhecimento a produto ou serviço, determinado pela existência local de cientistas e centros de criação que operam na fronteira do conhecimento, é evidente na agropecuária, na exploração de petróleo, na produção de aviões e veículos, nas vacinas, nos produtos da exploração da cana de açúcar, na implantação do SUS, e por aí vai.

A facilidade com que atualmente o poder executivo, com a conivência do legislativo, reduz o investimento público para Ciência e Tecnologia representa uma política de Estado, falta de legitimação social sobre a importância do investimento em ciência e tecnologia, evidente desprezo à história, à realidade atual e ao futuro.

Como explicar que a plêiade de exemplos de impacto cultural e socioeconômico não produzam legitimação social e, consequentemente, pressão para apoiar os investimentos em C&T como ferramenta eficiente para sair de crises ou aumentar a resiliência social? Uma das explicações é a ausência de dados que mostrem com clareza os impactos socioeconômicos da ciência no Brasil. Escolas de pensamento se debruçam no mundo sobre o problema de quantificar o impacto socioeconômico da pesquisa. Aliás, este tema tem dado prêmios Nobel em economia. No Brasil, são escassos os estudos que demonstrem a contribuição da ciência e da tecnologia para mudanças na sociedade ou na economia. Abundam, contudo, relatos pictóricos de exemplos de sucesso. Poucos são os estudos que podem sustentar objetivamente que “para cada real despendido em pesquisa houve um incremento no valor da produção da ordem de R$ 10 a R$ 12.

(http://www.fapesp.br/publicacoes/livro_agricultura_paulista.pdf).

Sucessivos Ministros de Fazenda e Planejamento repetem que o investimento em pesquisa é gasto, pois, além de desconhecer Prêmios Nobel de economia, alegam que não existem evidências locais que esse investimento produza algum impacto socioeconômico. O dispêndio federal em C&T aumentou somente 16% entre 2000 e 2015, para um aumento do investimento brasileiro (federal + estadual + privado) em C&T de 24% no mesmo período. O investimento em C&T do Brasil não passou de 1,6 % do PIB em 2015 e vem caindo desde então. Pode-se concluir que a política federal de descaso vem se mantendo sem descontinuidade. No mesmo intervalo nenhum país desenvolvido, e a China em particular, deixou de aumentar a percentagem de investimento em C&T e muitos já investem mais de 3% em C&T.

Poucos estudos econômicos confiáveis, pouca interação social entre cientistas e sociedade, imprensa e meios de comunicação pouco permeáveis à comunidade científica, e uma resistência suprapartidária que desconsidera a realidade internacional de priorizar o investimento em C&T, podem manter o atual status quo.A sociedade pode ser informada e exercer legítimas pressões em todos os partidos políticos para conseguir que a área econômica do próximo governo finalmente acorde, olhe para o mundo e descubra que investimento em C&T produz resultados socioeconômicos incomparavelmente mais eficientes do que muitas das proposições de mudanças ora em pauta.