O Brasil não será nunca uma potência tecnológica, dirão os mais pessimistas. O futuro do Brasil está apenas na agricultura, petróleo, mineração e outras commodities, pensarão os mais imediatistas. O país poderá comprar a tecnologia que necessitar no futuro, irão sugerir os mais ingênuos.
Pode ser que o Brasil não se torne uma potência digital nos próximos anos. Mas, pelas várias razões aqui discutidas, fica claro que o país tem de olhar para o futuro e construir uma estratégia para inteligência artificial. O presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou recentemente a visão estratégica da França para inteligência artificial, com investimentos da ordem de € 1,5 bilhão em 4 anos. A Comissão Europeia planeja investir € 20 bilhões em IA até 2020.
A China, de Xi Jinping, divulgou seu plano estratégico nacional de inteligência artificial até 2025. “A inteligência artificial é o futuro, não só para a Rússia, mas para toda a humanidade”, disse Vladimir Putin, em recente entrevista. “Isso vem com oportunidades colossais, mas também com ameaças difíceis de prever. Quem se tornar o líder nesta esfera se tornará o governante do mundo”. Canadá, Coreia do Sul, India, Austrália, Reino Unido estão entre os países que já anunciaram estratégias nacionais para inteligência artificial.
Há várias questões estratégicas e geopolíticas em jogo quando se analisa o futuro com o avanço das tecnologias digitais. A inteligência artificial oferece oportunidades significativas para o crescimento econômico e tem de fazer parte de uma moderna estratégia industrial, para se ter competitividade global. A inovação da economia, em praticamente todos setores, será diretamente afetada pelo avanço da robotização e inteligência artificial.
O avanço da inteligência artificial depende basicamente do avanço da computação, dos algoritmos e de grandes massas de dados, que são a base para o treinamento das aplicações de inteligência artificial. O avanço da inteligência artificial depende fundamentalmente de talentos, de pesquisadores, profissionais altamente qualificados e investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
Os planos estratégicos já anunciados têm, em geral, quatro linhas comuns de ação. A primeira delas visa preparar a economia e a indústria para o avanço da robotização e inteligência artificial. A segunda linha indica a importância de se associar inteligência artificial às estruturas de inovação, para criar novos produtos e novos negócios. A terceira linha de ação busca criar mecanismos e incentivos para o desenvolvimento científico e tecnológico em inteligência artificial e nas áreas científicas de maior aplicação. A quarta aponta para questões éticas e morais associadas às novas tecnologias e para a criação de um arcabouço regulatório adequado.
Algumas estratégias passam também pelo desenvolvimento de inteligência artificial para fins militares. As ênfases nessas linhas de ação são diferentes para cada plano já anunciado. Dependem da situação econômica, social e política de cada país. A pergunta natural que então surge é: quais caminhos deve o Brasil seguir para se inserir nesse futuro tecnológico, desenhado com o domínio das tecnologias de inteligência artificial e robotização?
Dadas algumas características do Brasil, como a excessiva concentração de renda, a desigualdade social e os baixos índices de produtividade e competitividade da economia, a preparação de uma estratégia para o avanço da inteligência artificial deve começar com algumas escolhas, como: Quais áreas de aplicação da inteligência artificial podem gerar mais crescimento econômico e emprego? Como a inteligência artificial pode ser aplicada para melhorar a qualidade de vida da população brasileira? Como minimizar os possíveis efeitos negativos das novas tecnologias?
As novas tecnologias digitais irão necessariamente fazer parte do futuro da nossa economia. Políticas de incentivo ao desenvolvimento e uso de inteligência artificial e robôs são o ponto de partida de uma estratégia nacional. Mobilidade, saúde, indústria, agricultura e segurança são áreas que podem se beneficiar dessas inovações. Um plano estratégico brasileiro deve incluir políticas para compensar efeitos potencialmente adversos da automação da economia sobre emprego e distribuição de renda.
O Brasil tem hoje um sistema nacional de pós-graduação de qualidade, que pode ser articulado para formação de pesquisadores, cientistas e profissionais que a nova era digital irá necessitar. O país irá necessitar de mais investimentos em ciência e tecnologia. As tecnologias de inteligência artificial são dominadas por um pequeno grupo de empresas americanas (i.e., Google, Amazon, Facebook e Apple) e por algumas empresas chinesas, como Baidu, Alibaba e Tencent. A escolha dos parceiros estratégicos será chave para o Brasil não ficar fora desse novo cenário. Estados Unidos e China tem parcerias tecnológicas diferentes a oferecer e o Brasil precisa estar preparado para fazer escolhas.
Como o desenvolvimento das tecnologias e produtos de inteligência artificial dependem da disponibilidade de grandes massas de dados, o Brasil deve avançar no aperfeiçoamento do ambiente regulatório para o uso de dados. O Marco Civil da Internet e a recente aprovação da Lei de Proteção de Dados Pessoais no Congresso mostram que o país avança na direção certa de um ambiente regulatório para o futuro digital. Um plano estratégico, com regras claras e estáveis, com foco na formação de talentos, na valorização da ciência, tecnologia e inovação pode atrair investimentos externos e colocar o Brasil no rumo das tecnologias de inteligência artificial.
Virgilio Almeida é professor Associado ao Berkman Klein Center na Universidade de Harvard e foi secretário de política de informática no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação de 2011-2015.