Cerca de quatrocentas pessoas – muitas dos quais jovens graduandos – lotaram o auditório da reitoria da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) na quarta-feira, 25 de julho, para assistir à primeira rodada do debate da SBPC com presidenciáveis. O evento foi parte das atividades da 70ª Reunião Anual da entidade, que aconteceu de 23 a 28 de julho, em Maceió. O primeiro político a responder às perguntas da comunidade científica foi Luiz Inácio Lula da Silva, que na ocasião foi representado pelo ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende [membro titular da ABC].

Como já é tradição nas reuniões anuais da SBPC, a entidade convidou os três candidatos com maior intenção de votos, de acordo com as pesquisas públicas do Datafolha de junho de 2018, para falar sobre seus programas e, especificamente, responder às perguntas sobre os temas mais diretamente ligados à comunidade científica e educacional brasileira. No entanto, as perguntas serão encaminhadas a todos os demais candidatos e as respostas serão amplamente divulgadas pela entidade.

“O nosso papel é divulgar amplamente as respostas dos candidatos para que a sociedade brasileira tome conhecimento desses posicionamentos, e possam cobrar esses compromissos nos próximos anos”, esclareceu o presidente da SBPC.

Rezende contou que, nas poucas oportunidades de comunicação com Lula, que segue preso em Curitiba, foi possível discutir quatro propostas e todas foram endossadas pelo candidato. “A comunicação com o Lula é muito difícil, mas ele leu e endossa as propostas”, afirmou Rezende, apontando que falta uma Política de Estado para que a CT&I nacional tenha verdadeiro impacto na sociedade. Luiz Antonio Elias, que foi secretário da ciência e tecnologia, também participou da apresentação do representante do candidato Lula.

As propostas do candidato apresentadas na sessão são as seguintes:

  • Recriar o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação;
  • Enviar ao Congresso um Projeto de Lei proibindo o contingenciamento de fundos formados por receitas de contribuições específicas para C&T;
  • Alocar o Fundo Setorial do Petróleo ao Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), como era anteriormente;
  • Elaborar, com a participação da comunidade científica e tecnológica, e implantar no primeiro ano de governo, o II Plano de Ação em CT&I com contínua ampliação de recursos.

Na sequência da apresentação de Rezende, o debate teve início com a questão mais pungente, em todas as áreas no País: qual é a posição do candidato com relação à Emenda Constitucional 95, que impõe um teto de gastos ao governo pelos próximos 20 anos? “A nossa posição é que ela deve ser revogada”, enfatizou o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira.

A segunda questão recaiu sobre a recuperação dos níveis orçamentários de investimento em CT&I ao maior valor de anos anteriores: como o candidato pretende fazer isso, caso seja eleito?

Um terceiro ponto, que há décadas é defendido pela SBPC, versa sobre a meta de que pelo menos 2% do PIB nacional, seja aplicado em pesquisa e desenvolvimento. Essa parcela nunca passou de 1,2%.

Além das questões gerais, a presidente da honra da SBPC, Helena Nader [membro titular da ABC], indagou sobre o Marco Legal de CT&I: como será possível melhorar os marcos regulatórios para o Brasil fazer, de fato, ciência, tecnologia e inovação?

O diretor do Museu da Amazônia e também presidente de honra da SBPC, Ennio Candotti, chamou a atenção para que se tenha um espaço dedicado ao controle e maior atenção aos recursos levantados com os incentivos fiscais da ciência e da tecnologia. Isso vale, segundo ele, para tecnologias da informação, para telecomunicações e fundos setoriais. Candotti também observou que existem recursos de outros ministérios, “recolhidos no santo nome da CT&I”, que devem chegar a cerca de R$ 7 bilhões, e que ninguém sabe para onde vão. “O sistema de avaliação desses incentivos fiscais é muito raquítico. Esses recursos são recolhidos e não são aplicados no sistema de ciência e tecnologia. É preciso avaliação e rigorosa análise dos projetos”, ressaltou.

Para questionar sobre a Educação Básica, o conselheiro da SBPC e coordenador do seminário temático que discutiu o tema, Eduardo Mortimer, manifestou a preocupação com as metas propostas no Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-24, que ainda estão muito longe de serem atingidas. “O plano está bastante comprometido com as ações deste governo atual. Como vocês farão para garantir que sejam cumpridas as 20 metas do PNE?”, indagou.

Ainda sobre a Educação Básica, o presidente da SBPC, Ildeu Moreira, colocou a questão da educação científica, especialmente com a nova Lei do Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio que, conforme enfatizou, precisam ser revistas. “Esta é uma questão central. Há sete décadas a SBPC luta por isso e seria muito importante ouvir um posicionamento sobre como o governo pretende melhorar a educação científica na Educação Básica Brasileira”, disse.

O professor José Vicente Tavares dos Santos, da UFMG, que coordenou o seminário temático sobre ensino superior e pós-graduação, levantou três questões: “Como ter certeza de que será garantida a recuperação e a necessária expansão dos orçamentos das universidades públicas federais? Como garantir da expansão da pós-graduação, que é a alavanca da produção de CT&I? E, por fim, como garantir a permanência dos alunos cotistas nos cursos? Qual é o compromisso com essas necessidades?”, perguntou.

No âmbito dos direitos humanos, o professor da Ufam, Alfredo Wagner, que coordenou o seminário temático sobre o tema, manifestou as preocupações com o crescimento alarmante de homicídios dolosos no País, com a situação dos mais de 700 mil presos no sistema carcerário brasileiro, com a violência contra populações vulneráveis, como indígenas e quilombolas, em especial sobre os conflitos envolvidos com a ocupação de terras, e, ainda, com a precariedade das relações de trabalho, deterioradas pelas medidas do governo atual, que favorecem a ocorrência cada vez mais frequente de casos de trabalho análogos à escravidão. “Nesse quadro de risco, de uma população rumo à barbárie, que medidas efetivas foram pensadas pelos senhores que estão organizando esse plano de governo?”

Por fim, sobre a democratização das comunicações, foi colocada uma das questões levantadas pelo grupo que discutiu o tema durante a realização do seminário temático: “Que medidas se pretende adotar que garantam que o sistema de comunicação não seja controlado apenas por monopólios e oligopólios, conforme prevê o artigo 220 da Constituição brasileira?

Rezende garantiu que a revogação da EC95 estará entre as prioridades do plano de governo e garantiu que todas as recomendações e indagações debatidas na sessão, bem como o caderno que contém todos os documentos detalhados sobre essas propostas, serão levadas por ele às mãos do candidato, com a sugestão de que se inclua no plano de governo essas propostas.

Outros candidatos

Jair Bolsonaro, como segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto, foi convidado para participar do debate; no entanto, o convite não foi respondido; Marina Silva, que na pesquisa estava em terceiro lugar, não poderia participar por conta de outros compromissos, mas responderá às questões enviadas pela SBPC por vídeo, que será exibido na sexta-feira, na Reunião Anual da SBPC.

Ciro Gomes e Geraldo Alkmin também foram convidados, e ainda estão por definir como se darão suas participações. Todos foram convidados para participar presencialmente, pela Internet ou por vídeo gravado.

Políticas Públicas para o Brasil que Queremos

Os debates com os presidenciáveis são parte de um processo que a SBPC iniciou no primeiro semestre de 2018, com a realização de seminários temáticos para discutir com toda a comunidade científica propostas para políticas em diversas áreas, como CT&I, educação básica, graduação e pós-graduação, direitos humanos, comunicações, desenvolvimento sustentável, Amazônia e saúde. A ideia é que essas propostas sejam discutidas com toda a sociedade e sejam levadas aos candidatos às eleições de outubro, tanto ao Executivo quanto ao Legislativo.

“É importante que a gente influencie e ajude a esclarecer as posições políticas dos candidatos com relação a todos os temas que a SBPC tem debatido e atuado durante esses 70 anos. É nosso papel também colaborar com a formulação de políticas públicas para o desenvolvimento do País. A comunidade científica tem propostas concretas para o momento que estamos vivendo e para os anos próximos no sentido da superação das crises pelas quais o País passa”, ressaltou Moreira.

Os documentos resultantes desses encontros foram reunidos no caderno “Políticas Públicas para o Brasil que Queremos”, apresentado na terça-feira, 24, durante a Reunião Anual. A publicação está disponível para download, gratuitamente, neste link.