O engenheiro de materiais Edgar Dutra Zanotto gosta de citar um artigo científico para mostrar como os vidros são importantes. “Vidros são os olhos da ciência”, afirma, traduzindo o título do paper (“Glass: The eye of science”). A tese é do norte-americano Marvin Bolt, curador de Ciência e Tecnologia do Museu de Vidro de Corning, cidade do estado norte-americano de Nova York. Em texto de fevereiro de 2017, escrito para o periódico International Journal of Applied Glass Science, Bolt advoga que a revolução científica iniciada no século XVII teve como ferramentas mais importantes o microscópio e o telescópio – sendo o elemento principal dos dois instrumentos as lentes de vidro.
Quando começou a se interessar pelo assunto, em meados dos anos 1970, Zanotto não tinha essa compreensão, mas percebeu que esse era um objeto de pesquisa interessante e pouco pesquisado no Brasil. Formado em engenharia de materiais na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em 1976, foi no Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade de Sheffield, no Reino Unido – onde cursou mestrado e doutorado, respectivamente –, que o então jovem pesquisador achou as melhores referências para começar sua carreira.
Uma das características da trajetória de Zanotto é o interesse simultâneo pela ciência básica e aplicada. “Sempre trabalhei com um pé em cada uma”, diz. A formação em física e engenharia o ajuda tanto a formular e testar hipóteses científicas como a desenvolver vidros especiais para a indústria ou com funcionalidades para o organismo humano, como os biovidros.
Natural de Botucatu (SP) e há 42 anos professor na UFSCar, Zanotto foi professor visitante em universidades da Europa e Estados Unidos e consultor científico de empresas do Brasil e exterior, produtoras de vários tipos de vidro. Desde 2013 coordena o Centro de Pesquisa, Educação e Inovação em Vidros (CeRTEV), um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP, que reúne pesquisadores da UFSCar, USP e Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara. E desde 2017 preside o Conselho Científico do Instituto Serrapilheira, do Rio de Janeiro. As duas experiências o incentivaram a investir de modo mais intensivo na difusão da ciência.
Na entrevista abaixo, Zanotto, casado e pai de duas filhas, conta de seu trabalho mais atual e de uma proposta ousada, publicada em 2017, sobre um novo status da matéria, o estado vítreo.
Como é sua pesquisa mais recente, de desenvolvimento de inteligência artificial para ganhar tempo no laboratório?
Focamos em previsão. Quase 100% da ciência trata de entender e descrever fenômenos naturais. Cada vez que entendemos e descrevemos algo novo, podemos publicar um artigo científico. Já prever seria o ideal, mas é muito difícil. Se conseguirmos antever um fenômeno ou tendência corretamente, não precisaremos dedicar um tempo enorme, recursos financeiros e energia realizando um grande número de experimentos. No momento, trabalhamos com alunos e pós-doutores, os professores Pedro Rino e André Moura, da UFSCar, e André Ponce de Leon, do CeMEAI [Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria, Cepid sediado na USP de São Carlos], com simulação computacional para predizer fenômenos relacionados à estrutura, processos dinâmicos e propriedades de vidros. Se funcionar, será possível criar vidros não existentes em um tempo significativamente reduzido. Os dois primeiros artigos estão sendo redigidos, em fase de ajustes. Um pós-doc do nosso grupo, Daniel Cassar, coletou cerca de 55 mil dados de temperatura de transição vítrea para iniciar esse estudo. Se nossa estratégia funcionar, será possível criar novos vidros em tempo muito mais reduzido.
Do que se trata?
O vidro é um material rígido feito da mistura de vários reagentes que geralmente são fundidos e resfriados rapidamente evitando a cristalização. Assim, os átomos ficam presos em um estado de desordem, formando um líquido temporariamente congelado, o vidro. Já na estrutura cristalina, os átomos estão perfeitamente organizados, formando um sólido. A cristalização é um processo que ocorre naturalmente em todos os vidros, mas pode levar de segundos a milênios dependendo da temperatura. Quando aquecidos, todos os vidros sofrem um fenômeno chamado transição vítrea, ou Tg – temperatura onde ocorre uma transformação entre a rigidez e um líquido de alta viscosidade –, que está relacionada a sua composição química. Para desenvolver um vidro com novas funcionalidades, sem gastar demasiado tempo e energia em testes experimentais, é fundamental conhecer a Tg, além de outras propriedades. A partir dessa ideia, o Daniel conseguiu pescar na literatura dos últimos 50 anos trabalhos contendo a composição química e as respectivas Tg. Ele compilou 55 mil composições de diferentes vidros óxidos – hoje há catalogados 400 mil vidros. Com o auxílio do especialista em inteligência artificial André Ponce de Leon, ele criou um algoritmo que foi “treinado” a correlacionar a Tg com a composição química de 45 mil desses vidros. Em seguida, usamos dados dos outros 10 mil vidros, que não foram utilizados na etapa de treinamento, para testar a habilidade do novo algoritmo em prever a Tg e comparamos com os valores reportados para ver se estariam certos. A rede neural resultante pode ser otimizada, mas, no momento, ela leva a um erro máximo de 6%, em 90% dos testes, o que é um ótimo resultado porque se iguala ao erro típico dos próprios dados experimentais. Com esse software será possível prever a Tg de qualquer vidro óxido ainda não existente. A mesma lógica poderá ser aplicada para previsão de outras propriedades físico-químicas de vidros.
Por que esse programa permitirá ganhar tempo?
Em 2004 publiquei um artigo com o Chico Coutinho [o físico Francisco Bezerra Coutinho, da Faculdade de Medicina da USP] em que calculamos quantas composições de vidros seriam possíveis usando 80 elementos químicos “amigáveis”. Para fazer uma conta redonda, variamos de 1% em 1% a composição, combinando aqueles elementos de modo variado. Nesse exercício de previsão, calculamos que seria possível obter 1052 tipos de vidros, um número astronômico. Os 400 mil – ou 4 x 105 – vidros inorgânicos já conhecidos representam apenas uma minúscula fração desse total. Precisaríamos de infindáveis anos e recursos para produzir 1052 vidros. Seria inviável. A saída é realizar simulações computacionais até encontrarmos fórmulas interessantes que possam resultar em propriedades inusuais. Aí, sim, iremos para o laboratório testar cada composição e verificar se elas realmente fornecem as propriedades que o software indicou.
No ano passado você advogou um novo status da matéria, o estado vítreo, algo que não é sólido nem líquido. O que é, então?
Vou começar respondendo com outra pergunta: qual a diferença entre informação e conhecimento? Obtemos uma informação em determinada época, depois outra e outra… Elas vão sendo acumuladas com o passar do tempo. Ao juntá-las e conectá-las, alcançamos o conhecimento. Foram 40 anos estudando e pesquisando para ter o insight, refletir e redigir esse artigo sobre o estado vítreo, publicado no Journal of Non-Crystalline Solids [JNCS].
Quais são eles?
O primeiro é sobre a estrutura atômica do vidro, que é igual à do líquido do qual ele advém. O vidro é um líquido congelado temporariamente sem cristalizar. Depois vem o conceito de relaxação estrutural – um rearranjo espontâneo e parcial das moléculas no material – e, finalmente, a cristalização, quando todos os átomos e moléculas ficam alinhados em um padrão tridimensional bem definido. Isso acontece com todos os vidros, que se cristalizarão em mais ou menos tempo. Em quanto tempo? Em temperaturas relativamente altas, leva apenas algumas horas. Em temperatura ambiente, é muito difícil saber com precisão; precisaremos realizar cálculos e simulações. Portanto, os elementos dessa nova definição do vidro proposta no artigo de 2017 são que a estrutura molecular dele é igual à do líquido-mãe, com os átomos congelados na mesma posição, bem diferente da do cristal. Com o tempo, o vidro relaxa espontaneamente até cristalizar. Se estiver numa temperatura perto da Tg, cristalizará em minutos ou horas, se estiver muito abaixo, levará muito mais tempo.
Esses conceitos já existiam?
Pesquisadores da área vêm refletindo sobre esses conceitos, mas ninguém havia combinado todos eles, como John Mauro [da Universidade do Estado da Pensilvânia, Estados Unidos] e eu fizemos. Redigi a primeira versão do artigo e o John entrou durante o processo. Juntamos as informações e esclarecemos a natureza do vidro.
Como foi essa parceria?
Apresentei essas ideias em uma plenária no evento de comemoração do centenário da Society of Glass Technology, realizado em Sheffield, em setembro de 2016. O indiano-americano Arun Varshneya, da Alfred University, conhecido como o “guru do vidro” e meu amigo há muito tempo, disse logo de cara: “Não concordo com esse pacote, precisamos discutir”. Conversamos muito em Sheffield e, quando voltei ao Brasil, decidi escrever um rascunho. Enviei ao Arun, que convidou para a discussão um primo dele, o Prabhat Gupta, da Universidade do Estado de Ohio, Estados Unidos, um teórico muito bom. O Arun também introduziu na discussão o John Mauro, que havia sido o seu mais brilhante aluno de doutorado – foi um dos inventores do Gorilla glass, vidro usado em telefones celulares. Depois de uma dúzia de e-mails trocados com eles, convidei todos a participar como coautores, mas eles não responderam. Imaginei que fosse um sinal de que não concordavam com a minha proposta. Isso foi em outubro de 2016. Em dezembro, eu estava acabando de polir o manuscrito quando o John Mauro me enviou mensagem de votos natalinos e perguntando que fim havia levado o artigo. Respondi que estava quase pronto, assinado apenas por mim porque eles não quiseram participar. Ele imediatamente respondeu que continuava interessado. Entre o Natal e o Ano-Novo o artigo ficava um dia com cada um até ficar pronto e ser submetido à publicação. Há algumas semanas, o paper já tinha recebido mais de 7 mil visualizações. Para um artigo científico de uma pequena subárea da ciência de materiais é muita coisa. Para dar uma ideia quantitativa, o site do JNCS tem 26 mil artigos e todos podem ser baixados. Desde a sua publicação até esta data [24/6/2018], o nosso paper está em primeiro lugar dentre todos no ranking de downloads.
Qual o tamanho da comunidade que estuda vidros?
Estimativas indicam que há cerca de 3 mil pesquisadores vidreiros no mundo, e apenas de 100 a 120 no Brasil estudando e publicando regularmente nessa área. Desses, o nosso CeRTEV tem 14 professores e 60 alunos e pós-docs. No exterior, há empresas com muito mais pesquisadores, mas nas universidades há poucos grupos de porte. Conheço apenas um, enorme, em Rennes, na França, maior que o nosso. Na China há, possivelmente, grupos maiores porque eles publicam até mais do que os americanos nesse tema. No Japão, Estados Unidos e Europa há de um a três professores em cada grupo. Por essas razões, estimo que nossa equipe está entre as cinco maiores do mundo. Quando o Hellmut Eckert [químico alemão, vice-coordenador do CeRTEV e professor da USP de São Carlos] e eu formamos o grupo do Cepid, o centro ganhou visibilidade internacional.
Essa visibilidade vale para as áreas científica e tecnológica?
Para as duas. Sobre pesquisas de cunho fundamental, científico, temos um grupo que usa técnicas distintas para caracterizar os detalhes estruturais do vidro. A estrutura e a composição química são o conjunto que determina as propriedades ópticas, mecânicas, térmicas, magnéticas, químicas e biológicas do material. Esse grupo também trabalha nos processos dinâmicos, um conjunto de mecanismos que ocorrem quando aquecemos o vidro – os átomos começam a se deslocar, relaxar, fundir ou cristalizar. E essa é a área em que mais atuo, a cristalização. Estudamos a estrutura e os processos dinâmicos e essas duas áreas determinam as propriedades e aplicações, divididas em cinco tópicos, no nosso Cepid: as propriedades mecânicas, que tentamos entender para desenvolver vidros e vidros cerâmicos cada vez mais fortes e resistentes, algo que tem uma demanda industrial mundial; as elétricas, com vidros condutores iônicos, com potencial de aplicação em novas e eficientes baterias; os biovidros, feitos de material bioativo para ser usados em organismos vivos; as ópticas, ou seja, o vidro por excelência, em que acrescentamos impurezas para alterar as propriedades, mudamos a cor, a absorção etc.; e, finalmente, materiais para processos catalíticos.
As pesquisas sobre biovidro continuam?
Sim, esse material é muito promissor. Foi inventado no começo dos anos 1970 com uma composição química que tem sódio, silício, cálcio e fósforo. Isso deixa o vidro com uma bioatividade alta quando em contato com fluidos corporais. Eles podem ser usados na regeneração de ossos, como próteses, problemas dentários e também feridas de pele e degeneração de nervos e cartilagens. Em pó, funciona como uma espécie de cola. Algumas dessas possíveis utilidades já são funcionais. Há, por exemplo, um osso ilíaco artificial feito de vitrocerâmico bioativo para ser implantado no quadril. Foi desenvolvido por Tadashi Kokubo, da Universidade de Chubu, no Japão. Segundo ele, foi implantado em milhares de pessoas. Aqui na UFSCar, com o auxílio de dois ex-alunos, hoje professores, Oscar Peitl e Murilo Crovacce, e vários post-docs, com destaque para Marina Trevellin, e alunos, criamos um biovitrocerâmico semelhante aos ossículos do ouvido médio usado para substituir aqueles que apodrecem quando alguém contrai uma infecção severa. Realizamos ensaios clínicos bem-sucedidos na Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, conduzidos pela equipe do médico Eduardo Tanaka Massuda, mas precisamos realizar mais testes para conseguir aprovação da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Este aqui [mostra uma peça] é outro exemplo: é um olho artificial feito de material bioativo e patenteado. Depois de implantado, ele se liga aos nervos da cavidade ocular para dar um movimento natural igual ao olho bom. Realizamos bons ensaios clínicos na Faculdade de Medicina da Unesp, campus de Botucatu, liderados por Silvana Schellini e Simoni Milani Brandão. Mas também precisamos continuar com os testes.
Você publica no JNCS, do qual é editor. Não há conflito de interesses?
Comecei como editor em 2010, mas já havia publicado cerca de 70 artigos nesse periódico antes disso. É a minha revista favorita por estar estabelecida há 50 anos, ser muito rigorosa – rejeita 2/3 das submissões –, com tempo médio de resposta de apenas seis semanas, e principalmente por ser lida e respeitada pela comunidade que pesquisa vidros. Quando fui convidado, respondi à publisher Karine Van Wetering, da Elsevier, que aceitaria ser o editor apenas se pudesse continuar publicando no periódico. Ela me respondeu que não haveria problema porque seríamos três editores. São eles que encaminham meus papers para revisores ad-hoc sem que eu saiba quem são. Ela gostaria que eu e os outros editores continuássemos a publicar lá porque os leitores devem perceber que o editor valoriza a revista que edita.
Como se interessou por vidros?
Sou da terceira turma formada em engenharia de materiais da UFSCar, que criou o curso em 1970, o primeiro da América Latina. Naquele tempo não havia muitos professores disponíveis nessa área. Por isso, a UFSCar convidava professores visitantes. Vinha gente da USP, da Unicamp e muitos do exterior. Um deles, Osgood James Whittemore [1919-2010], da Universidade de Washington, Estados Unidos, me convidou para trabalhar em um projeto de iniciação científica. Era um estudo experimental sobre a durabilidade química de vidros candidatos ao encapsulamento de resíduos radioativos. O objetivo era coletar rejeitos de usinas nucleares, adicionar reagentes, fundir tudo e resfriar rapidamente formando um “vidrão”. O monólito resultante ficaria compacto e impermeável e seria enterrado em uma mina de carvão abandonada a muitos metros abaixo do solo, mas bem separado do ambiente superficial, encapsulado, sem contaminar a atmosfera e o lençol freático. Esse método é usado até hoje. Comecei então a estudar vidros. Peguei livros na biblioteca e comecei a ler papers. Fiquei interessadíssimo. Também pude praticar bastante o inglês. Essas atividades me renderam uma vaga de professor auxiliar de ensino no Departamento de Engenharia de Materiais [DEMa] da UFSCar.
Foi a única razão por ter sido contratado tão novo, aos 22 anos?
Eu era um aluno aplicado, falava inglês e pesquisava vidros. O DEMa precisava de professores nessa área e não existiam especialistas. Como eu só tinha a graduação, recebi um ultimato do chefe do departamento, Dyonísio Garcia Pinatti [1946-1986]: “Você tem dois anos para fazer um mestrado em qualquer tema relacionado a vidros para, em seguida, ir para o exterior realizar o doutorado, voltar e nuclear o grupo de vidros”. Por sorte, provavelmente o único pesquisador que trabalhava com vidros no Brasil era o Aldo Craievich, da Física da USP de São Carlos. Devo muito da minha formação científica ter realizado o mestrado em física com ele. Em seguida Aldo me indicou para um conhecido dele, o então famoso físico Peter James [1940-2005], da Universidade de Sheffield. Consegui uma bolsa da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] e fui fazer o doutorado com o Peter de 1979 a 1982. Na época eles tinham o maior time de pesquisadores do planeta em vidros. A experiência foi fundamental para a minha formação.
Como ocorre a colaboração de seu grupo com as empresas?
Em todos os níveis. Podemos descobrir algo interessante e procurar empresas potencialmente interessadas em realizar ensaios em escala piloto e em licenciar o invento. Outras vezes, é a empresa que nos procura. Por exemplo, auxiliamos a aperfeiçoar este material [mostra um vidro de 1 centímetro quadrado e o ilumina com um laser] que difrata a luz. Dentro dele há cristais nanométricos alinhados a uma distância igual ao comprimento da luz visível, cerca de 400 nanômetros entre um e outro. Este é o único material do mundo para redes de difração de lasers de alta potência. Há um holograma de cristais aqui dentro. Qualquer sistema de alta potência, como lasers industriais, por exemplo, requer várias peças dessas dentro da máquina. Há apenas três empresas que produzem esse material. Esta pequena peça custa US$ 5 mil. Ela já existia e ajudei a otimizá-la. O material foi inventado pelo pessoal da empresa Corning e passou a ser melhorado e produzido pela Optigrate, uma fábrica de Orlando, na Flórida. Passei 10 meses lá em 2005, a convite, enquanto usufruía de um período sabático na Universidade da Flórida Central. O material deles era ruim, não vendia porque espalhava luz demasiadamente. Além da colaboração, eles me permitiram publicar alguns artigos. Isso não é muito comum em razão da cláusula de sigilo que há nos contratos com empresas.
Você tem muitos vídeos didáticos sobre vidro gravados. Por quê?
São dois tipos de vídeo: aulas formais e de disseminação de ciência. Gravo todas as minhas aulas e as disponibilizo na internet. O efeito é fantástico. Se um aluno perde uma aula, basta assistir o vídeo. Para estudar para uma prova, está lá. Produzimos também vídeos bem didáticos, de 1 a 5 minutos, explicando conceitos e experiências com vidros, e temos mangás com esse tema impressos e na página do CeRTEV. Começamos a fazer divulgação de ciência em consequência das exigências do Cepid. Tem sido uma prazerosa e educativa experiência.
O Instituto Serrapilheira, do qual você é membro, tem preocupações na mesma linha, não é?
Branca e João Moreira Salles, criadores e mantenedores do instituto, a diretoria, os conselhos Científico e de Administração, todos esperam que os pesquisadores e bolsistas apoiados, que tenham esse desejo e essa vocação, realizem atividades de divulgação científica. Este ano foi aberta uma chamada pública para o primeiro programa de apoio à divulgação, o Camp Serrapilheira, para formar divulgadores e também mapear e selecionar projetos de divulgação a serem financiados.
Acredita que o instituto poderá fazer diferença no financiamento à ciência?
Sim. No momento o Serrapilheira se esforça para nuclear grupos de pesquisa liderados por jovens pesquisadores promissores que demonstrem potencial de realizar pesquisa de alto nível, na fronteira do conhecimento, em temas relevantes. A previsão inicial é aplicarmos entre R$ 16 milhões e R$ 18 milhões anualmente. O modelo de financiamento é um sonho para o pesquisador, muito mais flexível do que o de qualquer instituição pública de fomento à pesquisa. O sistema de seleção de projetos é rigoroso, mas o pesquisador que recebe um grant [auxílio para pesquisar] pode aplicá-lo em qualquer atividade de pesquisa. Por exemplo, admitir outros pesquisadores, comprar equipamento e material de consumo, contratar serviços ou viajar por alguma necessidade da pesquisa. Isso tudo sem precisar reenviar currículos, subprojetos ou estimativa de custos, cotações para análise… Além disso, a trabalhosa etapa de prestação de contas é realizada por uma fundação, não pelo pesquisador. Damos total flexibilidade porque confiamos nos pesquisadores e desejamos que eles dediquem a maior parte do tempo à pesquisa, não à administração de projetos. É diferente dos órgãos públicos que normalmente desconfiam do pesquisador. Por exemplo, tenho 42 anos de experiência em pesquisa, coordeno um Cepid, sou membro da ABC [Academia Brasileira de Ciências] e quando peço uma bolsa de iniciação científica para qualquer agência pública tenho de escrever um projeto, mandar meu currículo atualizado, o do aluno… É uma burocracia massacrante. No Serrapilheira nós confiamos e damos liberdade ao pesquisador.
Você gosta de dizer que “defende pesquisador velho”. Por quê?
Pesquisadores “velhos” dedicaram 20, 30, 40 ou até 50 anos não só para coletar informações, mas principalmente para conectá-las, gerando conhecimento. É óbvio que há jovens cientistas brilhantes que conseguem fazer a necessária conexão em menos tempo. Discuti várias vezes esse tema com o Fernando Reinach, biólogo que também é membro do Conselho de Administração do Serrapilheira. É desses que pensam que só pesquisadores jovens têm futuro. Discordo. Defendo que pesquisadores seniores ativos, os que continuam motivados na batalha diária da pesquisa, desenhando e realizando experimentos, testando hipóteses, criando modelos teóricos, participando de congressos, orientando, publicando, ensinando e aprendendo – e também sendo criticados –, podem melhorar continuamente. A qualidade da minha pesquisa atual é muito superior que a dos primeiros 10 ou 15 anos. Espero continuar avançando nas próximas décadas.