Bastante conhecida pela proteção cardiovascular e pelo auxílio na digestão, a uva é uma das frutas mais consumidas por quem busca melhorar a saúde. Segundo cientistas brasileiros, ela também ajuda no combate ao câncer. A equipe descobriu que o resveratrol, composto bioativo presente na uva, pode combater mutações na proteína p53, uma estrutura presente em cerca de 60% dos tumores. As descobertas foram publicadas na última edição da revista especializada Oncotarget e devem ajudar no desenvolvimento de medicamentos mais eficientes no tratamento de cancros.

O Acadêmico Jerson Lima da Silva, professor do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis (IbqM), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e um dos autores do estudo, explica que a p53 é estudada há duas décadas pela sua equipe e se tornou alvo de pesquisa pela ação dúbia no organismo humano. “É parecido com a história do médico e do monstro. Quando ocorre algum estresse, como tomar muita radiação ultravioleta na pele, essa proteína toma o controle da situação, realiza a supressão tumoral e faz reparos. Porém, ao sofrer mutações, por algum motivo misterioso, a p53 se modifica e contribui para o crescimento do câncer”, explica.

Os brasileiros —  pesquisa também contou com a participação de cientistas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) — decidiram testar o resveratrol para evitar a ação maléfica da p53. “Ele já havia sido associado à proteção do câncer. Um estudo realizado em 2012 pela nossa equipe também mostrou seus efeitos positivos no combate ao câncer de pulmão”, justifica Silva.

Na nova pesquisa, os cientistas recorreram à técnica de espectroscopia de fluorescência in vitro, um tipo de análise laboratorial extremamente delicada e minuciosa, para observar o potencial antitumoral do resveratrol em agregações de p53 presentes em células humanas. Como esperado, a substância reduziu os tumores.

A equipe também testou a ação da substância em células de câncer de mama implantadas em camundongos e com diferentes mutações de p53 am. O mesmo efeito de combate às proteínas mutantes foi detectado. “Demos foco a esse câncer por ser um dos mais comuns. É alto o número de casos desse tumor que pode ser letal”, detalha Silva.

Adriana Castelo Moura, oncologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e especialista em tumores gastrointestinais e ginecológicos, avalia que a pesquisa traz dados positivos, mesmo que ainda experimentais. “São estudos feitos em animais, mas que se mostram promissores. Sabemos que o resveratrol tem uma fama positiva relacionada a seus efeitos antioxidantes, usados contra o envelhecimento, por exemplo. Tenho muitos pacientes que tomam até por contra própria, mesmo sem tanto respaldo científico. Agora, vemos esses possíveis efeitos anticâncer nesse trabalho”, destaca.

Concentração X eficácia

Jerson Lima da Silva explica que a p53 está presente em grande parte dos tumores, principalmente do ovário (mais de 90% dos casos), o que reforça o quanto um medicamento que atua nessa mutação pode contribuir para o combate à doença. O pesquisador ressalta que mais estudos são necessários para aprimorar os efeitos da substância e, dessa forma, contribuir para seu uso terapêutico. “Um ponto que precisamos mudar é o fato de que usamos uma concentração relativamente alta do resveratrol. Queremos modificar isso e aumentar sua eficácia em 10 vezes”, diz.

Adriana Castelo Moura lembra que, apesar de presente em muitos tipos de tumores, a mutação da p53 não é a única ligada ao surgimento de carcinomas. “Existem outras vias que estão envolvidas. Ainda assim, sabemos que muitas drogas surgem dessas pequenas descobertas. Esse é um primeiro passo. Acredito que esses resultados contribuem para abrir um leque de pesquisas sobre o tema”, ressalta.

Para saber mais

Fruta multiuso

O resveratrol está presente na casca da uva vermelha e é conhecido por ser um grande auxiliar da saúde cardiovascular. O consumo da substância está relacionado ao retardamento do envelhecimento cerebral, muscular e cardíaco e à prevenção do acúmulo do colesterol ruim (LDL). O composto ativo, que pertence ao grupo dos flavonoides, também está relacionado à prevenção do câncer devido à sua ação anti-inflamatória e ao poder antioxidante.

Por estar presente em uvas vermelhas, o resveratrol é encontrado em grandes quantidades no vinho tinto. Por isso, muitos médicos recomendam a ingestão de pequenas doses da bebida diariamente. O consumo da substância também é feito em cápsulas, vendidas em lojas de suplementos.