sidarta-250.jpg Sidarta Ribeiro é diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e desenvolve pesquisas sobre sono, sonho, memória e plasticidade neuronal. Veja a entrevista que ele deu à Bárbara Nóbrega, de O Globo.

Conte algo que não sei.

O sono é muito importante para consolidar uma memória. Até recentemente, não existia demonstração científica de que sonhar com alguma coisa efetivamente muda o seu desempenho durante a vida de vigília. Essa evidência já existe, alguns laboratórios estudam isso, principalmente em Harvard. Existe uma relação sinérgica entre sono, exercício físico e alimentação. A escola lida com a alimentação, mas lida muito mal com o sono, que é reprimido. Além disso, o exercício físico é relegado ao último horário da grade e não é integrado às outras disciplinas.

Como o exercício físico pode ajudar a memória e o aprendizado?

Os professores acham que aprender matemática, geografia, história não tem a ver com exercício físico, mas o exercício físico combinado à estimulação com novas situações gera uma neurogênese no hipocampo, ou seja, a adição de novos neurônios em uma região cerebral que é muito importante para a aquisição de memória. Um regime adequado de exercícios físicos, alimentação e de sono otimiza a capacidade de aprender.

E qual a importância do sonho na melhoria do desempenho em vigília?

Quando uma pessoa joga no computador e sonha com aquele jogo, seu desempenho é melhor do que se não dormir e ficar só pensando no jogo. A reativação das memórias durante o sono tem efeitos bem diferentes do que a reativação de memórias durante a vigília.

Qual a relação da Humanidade com o sonho?

As pessoas levantam da cama imediatamente após o relógio tocar, poucas fazem um diário de sonhos, só quem está em psicanálise ou tem ligação com uma população tradicional. Nas populações tradicionais, o trabalho de sonho é diário. Os índios se reúnem de manhã e contam os seus sonhos. Mas se pensarmos simplesmente em Fisiologia e Psicologia, ainda assim há evidências suficientes de que focar a atenção no sonho proporciona um aumento de introspecção, revela o que está acontecendo agora. Quando uma pessoa está passando por problemas graves, os sonhos são muito transparentes. Quando não estão, são difíceis de entender. Tem a ver com a função do sonho que, na minha concepção, é um oráculo probabilístico. O sonho é uma simulação do futuro provável com base no passado, recente ou não. Tomando como base o ontem, como será amanhã?

O que é esse oráculo probabilístico?

Quando a gente entra na vida da cultura, não temos só mais três necessidades — comer, manter-se vivo e procriar — , temos muitas! O sonho de uma pessoa de classe média contemporânea, que não esteja passando por um grave problema, é uma tentativa de prever o futuro com variáveis demais, então elas são todas de baixo peso. Porém, se você passa por uma doença grave na família, um acidente de carro ou um insucesso amoroso, a pessoa começa a ter sonhos que são muito fáceis de interpretar. O oráculo probabilístico evoluiu em mamíferos no sonho R.E.M. de longa duração para tentar prever o futuro. A ciência não tem problema com o oráculo, desde que ele seja probabilístico. Agora, quando entramos em um ambiente da cultura em que as necessidades são múltiplas, esse oráculo fica quebrado se não prestamos atenção a ele, se nem sequer falarmos sobre ele.

Tem gente que não sonha?

Pouquíssimas pessoas não sonham, só quem tem uma lesão rara em determinadas áreas do cérebro. O que acontece é que as pessoas não prestam atenção aos sonhos.

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